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sábado, 1 de agosto de 2009

SÉCULO XX NO BRASIL: APRENDENDO A ADMINISTRAR CONFLITOS

NEUZA MACHADO

SERÁ QUE O BRASIL CONTINUA ASSIM?

CELSO FURTADO E AS ESTRUTURAS DO PODER MUNDIAL NOS ANOS 80:

O avanço político, que é o mais difícil e importante de todos que logra o homem, faz-se aprendendo a administrar conflitos. Daí que só as sociedades democráticas o realizem com segurança. Trata-se de manter a sociedade aberta, num mundo de crescente interdependência, preservando e exercendo a capacidade de auto-governo. É um problema com mais incógnitas do que equações. Mas será que existe solução para todos os problemas que envolvem o destino dos homens?
[1]

Em Os ares do mundo (publicado em 1991), Celso Furtado procurou reexaminar as estruturas do poder mundial (principalmente, as estruturas do poder dos Estados Unidos da América do Norte, naqueles anos bélicos) e as conseqüências desse domínio na questão desenvolvimento-subdesenvolvimento, questão esta que até hoje incomoda vários países subdesenvolvidos, estando longe de ser solucionada. Refletindo sobre a dependência a que estavam submetidos os países do chamado Terceiro Mundo, “presos na armadilha do subdesenvolvimento”
[2], dominados por grandes potências mundiais, e reexaminando as substâncias ideológicas que estruturavam essas camadas de poder, Celso Furtado questionou os problemas dos países subdesenvolvidos, e, naquela época, incluindo o Brasil, e se perguntou, no primeiro capítulo de suas reflexões, “que rumo tomar?”[3]

Em um país hierarquizante, nos anos finais do século XX, onde uma minoria possuía as armas para dominar os menos favorecidos socialmente, minoria esta que também se submeteu a poderes externos, foi impossível (para o brasileiro) parar para pensar o rumo a ser seguido. Na verdade, o povo, naquele momento, foi levado caoticamente pelas engrenagens de um poder cujas bases repousavam fora de seus limites sócio-existenciais.

Repensando o início da História do Brasil, constato que esta pergunta, “que rumo tomar?”, poderia ser formulada a partir do próprio desenvolvimento histórico-social do país. O próprio Celso Furtado informou que “as lutas sociais do século XX são caudatárias de ideologias concebidas nos dois séculos anteriores, particularmente no XIX”.
[4] E foi com pesar que o sociólogo reconheceu que essas lutas não conseguiram reconstruir as estruturas inicialmente mal elaboradas. E foi exatamente esta mal-formação social que impediu (nos anos noventa) e que impede ainda a autonomia sócio-política dos atuais países subdesenvolvidos.

Observando especificamente o Brasil, um país que foi ao longo de sua história marcado politicamente por etapas conflituosas, é possível, ainda hoje, raciocinar a impossibilidade de aprender a administrar conflitos, incapacidade esta que o atinge continuamente, apesar dos esforços de alguns brasileiros (uma consciente minoria).

Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, por sua vez, desnudou o modo de ser do homem brasileiro, a sua cordialidade; desnudou o caráter de quem herdou, historicamente, uma personalidade paradoxal misto de trabalho e aventura. Com ele, observo que o princípio do Brasil não favoreceu o desenvolvimento de uma aprendizagem segura, pois as condições naturais do país, naquele início, aliadas ao domínio de um povo, no qual o culto da personalidade impelia à separação ao invés da união, impediram tal aprendizagem. Assim, atrevo-me a falar da dificuldade do brasileiro de classe média e alta em aprender a administrar conflitos. Ainda hoje (reafirmo: início de século XXI), com os progressos já visíveis, percebo esta quase impossibilidade de achar a solução para os problemas políticos/sociais que envolvem o destino da nação brasileira. Continuamos colonos, pior ainda, colonos mentais.

No que se relaciona à literatura, esta sempre procurou refletir esses problemas. Conscientemente ou intuitivamente os escritores brasileiros, cada qual submetido a sua linha estética, registraram as suas impressões, desenvolvendo considerações sobre a realidade que os cercava.

Antônio Cândido em Literatura e subdesenvolvimento ressaltou a idéia de Mário Vieira de Mello, sobre as duas fases que predominaram no Brasil no âmbito da literatura — a idéia de “país novo”, até 1930, e, posteriormente, de “país subdesenvolvido” —, e como os escritores de cada fase viram a realidade circundante. Desde o Descobrimento, os escritores elaboraram uma literatura exaltada e utópica, celebrando as belezas naturais e pouco se preocupando com os problemas sociais. A partir de 1930, surgiu a conscientização dos problemas e esta conscientização possibilitou uma repercussão que provocou a noção clara do subdesenvolvimento. A partir daí, esqueceu-se a euforia inicial, a linguagem de celebração, a idéia de “terra bela - pátria grande”, e os escritores passaram a desenvolver uma ficção centralizada em uma visão pessimista, na qual afloraram a miséria e a incultura.

Com o passar do tempo, dera-me conta de que a fraqueza maior do Terceiro Mundo estava no plano das idéias: éramos colonizados mentalmente, por um lado, e por outro permanecíamos prisioneiros de velhas doutrinas “revolucionárias” que haviam passado de moda nos centros metropolitanos.
[5]

Revistando a História e observando as idéias de Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda e Antônio Cândido, penso que esta colonização mental surgiu a partir de 1939, no decorrer da 2a Guerra Mundial, com o advento do fascismo, do nazismo, e, principalmente, com a elevação dos Estados Unidos em primeira potência mundial. Se o Brasil já era um “país colonizado”, historicamente mal formado, não foi difícil a “colonização mental”, a submissão às idéias externas, diferentes de sua própria realidade.

E foi a partir daí que o Brasil se industrializou e os camponeses começaram a abandonar o campo, buscando melhores condições de vida na cidade. Com isto, os centros urbanos mais visados pelos emigrantes — principalmente, os do Nordeste — se transformaram em cidades superpovoadas, redutos de miséria e degeneração. Nesse ínterim, enquanto o Brasil foi se aburguesando e se submetendo à “colonização mental”, os intelectuais (alguns) procuraram se refugiar na religião, a cultura procurou refletir os problemas do país, os artistas desenvolveram ideais políticos, enfim, a realidade brasileira passou a ser desnudada por uma minoria consciente.

No dia em que o mundo rural se achou desagregado e começou a ceder rapidamente à invasão impiedosa do mundo das cidades, entrou também a decair, (...), todo o ciclo das influências ultramarinas específicas de que foram portadores os portugueses.

Se a forma de nossa cultura ainda permanece largamente ibérica e lusitana, deve-se atribuir-se tal fato sobretudo às insuficiências do “americanismo”, que se resume até agora, em grande parte, numa sorte de exacerbamento de manifestações estranhas, de decisões impostas de fora, exteriores à terra. O americano ainda é interiormente inexistente
.
[6]

Esta desagregação do mundo rural começou no século XIX e atingiu seu ápice nos dois decênios iniciais do século XX. Assim, as reflexões de Sérgio Buarque de Holanda se ajustaram às de Antônio Cândido e Celso Furtado, quanto ao momento em que se iniciou, no Brasil, a consciência de subdesenvolvimento. É importante observar que Sérgio Buarque de Holanda já falava em “decisões impostas de fora” bem antes de Celso Furtado, se comparo as datas em que ambos raciocinaram sobre os problemas internos do Brasil.

É também esse mundo rural desagregado que passou a ser o tema dos escritores das décadas de 30 e 40. A literatura desse período, segundo Antônio Cândido, estava centralizada na “dialética do localismo e do cosmopolitismo, manifestada pelos modos mais diversos”
[7]. E é nesse período também (1946) que Guimarães Rosa publicou Sagarana, uma coletânea de contos, na qual, excetuando “A hora e vez de Augusto Matraga”, se observou o “nacionalismo literário”, ou seja, a recriação do dialeto caipira, e o “inconformismo”[8], em outras palavras, a rejeição a padrões preestabelecidos.

A idéia de “localismo e cosmopolitismo” na obra roseana da primeira fase se sobressai, porque o autor, a partir daquele momento, procurou valorizar um determinado espaço geográfico, mas, idealizou também, como diz Antônio Cândido, “um compromisso mais ou menos feliz de expressão com o padrão universal”
[9].

Nas fases seguintes, a partir de A hora e vez de Augusto Matraga, espécie de narrativa-embrião de Grande Sertão: Veredas, não mais se observou o sertão roseano como um determinado local, pois o mesmo se transmudou em autêntico espaço universal.


[1]FURTADO, Celso. Os ares do mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991: 16
[2] Idem: 15
[3] Idem: 19
[4] Idem: 15
[5] Idem: 14
[6] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 11. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977: 127
[7] CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. São Paulo: Nacional, 1980: 109
[8] Ibidem
[9] Ibidem

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