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domingo, 5 de julho de 2009

UMA AMIZADE TRANSCENDENTAL

NEUZA MACHADO

Tenho um amigo transcendental. Um ser elevado, superior, metafísico. Saturnino, fechado, místico, misterioso. Conheci-o em março de 1981 e, desde então, ligando-nos, estabeleceu-se uma amizade duradoura. Não sei explicar como consegui tal privilégio. Imagino que os astros, naquele momento, tenham conspirado em favor de nossa enigmática afinidade.

Reporto-me ao passado e me vejo em uma sala de aula da Universidade Federal do Rio de Janeiro à espera de uma professora de Ciência da Literatura, idolatrada pelos alunos, e eis que, de repente, surge, ante uma turma em polvorosa – substituindo a tal professora -, aquele professor enigmático, saído de uma narrativa de mistério. Era ele o meu futuro amigo, aquele que, ao longo desses anos, me orientaria nas fases boas de minha vida, e, ao mesmo tempo, iria oferecer-me apoio moral nas ocasiões ruins.

Meu futuro amigo, naquele momento, se colocava em uma situação sui generis: era um novato naquela Faculdade, chegava substituindo uma professora que, graças à nossa inexperiência universitária, considerávamos uma estrela maior. (Aqui, não há nenhuma depreciação quanto ao trabalho da professora, apenas, naquele momento, não sabíamos diferenciar os diversos talentos na arte de ensinar). Talvez ele não tivesse percebido, mas a pura verdade foi que a turma não o recebeu condignamente, em outras palavras, em suas primeiras aulas, constatou-se uma sutil rejeição por parte de um pequeno grupo de equívoca liderança.

Em meio àquela turma de jovens alvoroçados, eu era uma “senhora” já casada e mãe de filhos, apesar de quase igualar idade com os meus colegas. No entanto, poderei afirmar que, em relação à vida, eu me via animada por um forte espírito de liberdade, mas também de consciência quanto às minhas atitudes sociais. Naquela época eu era dona de um temperamento extrovertido e brincalhão, e as várias responsabilidades assumidas não me assustavam. Assim, por ter desenvolvido desde o início do curso uma espécie de natural liderança sobre uns poucos colegas, habilidosamente os convenci de que não era correto tratar mal a um professor que estava iniciando o seu trabalho na Faculdade, e que, por esta razão, deveríamos recebê-lo com simpatia.

Recordo-me dos primórdios de nossa convivência universitária e vejo-o sério e calado, tendo uma enorme dificuldade em se sentir distenso em uma turma de muitas jovenzinhas recém-saídas do Curso Normal e de uns poucos corajosos rapazes que se atreviam a fazer o Curso de Letras (havia, na época, muito preconceito contra os homens que estudavam em Faculdade de Letras). Eram jovens – em sua maioria - que só visavam “passar de ano”, todos ansiosos por um diploma que lhes daria uma situação “melhorzinha” em suas lutas pela sobrevivência. O nosso professor, em princípio, não se sentia muito à vontade para transmitir seus altos conhecimentos, adquiridos em anos e anos de dedicação à Literatura e às Artes em geral.

A partir daquele início de convivência entre aluna e professor, comecei a buscar o tal plano subjetivo e difícil de ser detectado, o plano das idéias maiores – sempre realçado por ele -, e, paralelamente, um fortíssimo elo de pura amizade foi acontecendo, gradativamente.

Naquele tempo, a personalidade, mística, do meu futuro amigo professor começou a exercer em mim um fascínio incrível. Sua aparência de “monge budista”, meio oscilante entre dois mundos, instigava-me a uma aproximação, desejosa de romper aquela muralha que, segundo minhas próprias deduções, o separava do resto da humanidade. Realmente, tornamo-nos amigos, e percebi, ao longo de nossa amizade, que por trás da tal “muralha” existia um ser humano de primeiríssima grandeza.

Reportando-me ainda àquele primeiro semestre de 1981, consigo lembrar-me de que me tornei mais atenta aos estudos (eu, que sempre fui meio agitada em sala de aula, a aluna engraçada). O fato era que eu não conseguia extravasar minha personalidade irrequieta com aquele professor, e, por tal motivo, procurei esforçar-me, para que pudesse crescer intelectualmente, desejosa por alcançar aquela mente privilegiada, que já pairava em altíssimos planos do conhecimento teórico-filosófico (mas, que procurava camuflar tais feitos por meio de atitudes simples).

Esses anos todos foram solidificando uma incomum amizade. Estranhíssima amizade em que a doação mútua se acha implícita, pouco exteriorizada, mas, interiormente, alargada. Mudei muito, graças a esta convivência. Mudamos muito. E vamos seguindo...

3 comentários:

  1. publiquei seu texto enigmático na capa do ENTRE-TEXTOS... estranho esse seu amigo... mas o texto é muito bom!

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  2. Neusa, que texto significativo sobre uma bela amizade, que o mundo leia este seu texto, e saiba que ainda existe amigos verdadeiros, adorei, meus cumprimentos.

    Efigênia Coutinho
    Escritora

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  3. VERA LUCIA ARAUJO RODRIGUES15 de outubro de 2009 às 15:26

    LINDO TEXTO!!
    PARABENS,Professora
    sua aluna
    Vera Lucia

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