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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

BOM MOMENTO PARA UMA LEITURA OU RELEITURA DE AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES

BOM MOMENTO PARA UMA LEITURA OU RELEITURA DE AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES

NEUZA MACHADO

Convido aos Internautas que acompanham os meus Blogs a realizarem uma leitura ou releitura da narrativa As Meninas, da escritora Lygia Fagundes Telles. Desenvolvi uma pequena análise-interpretativa sobre o assunto e a mesma já está disponível em meu Blog neuzamachadoletras.blogspot.com.

A narrativa de Lygia foi elaborada nos anos finais da década de 1960 e publicada no ano de 1973, em pleno momento da Ditadura Militar, recebendo imediata consagração. Por motivo de desconhecimento — das autoridades militares da época — das mensagens subentendidas e mesmo em função da dificuldade de se entender o entrecruzar de falas narrativas e as chamadas entrelinhas, a escritora livrou-se de uma provável punição. Isto porque, mesmo que a escritora objetivasse fintar a censura dos militares, ou se posicionasse independente talvez de uma postura política distanciada dos valores revolucionários, conseguiu recriar singularmente os desajustes sociais daquela época, e, intuitivamente, assinalou as questões sociais que posteriormente incomodariam os brasileiros.

Apresento-lhes dois trechos que confirmam minhas suposições:

A personagem Lorena (de família tradicional) conversando com a Irmã Bulinha (uma enigmática religiosa do Pensionato Nossa Senhora de Fátima):

“– Como os mortos – digo em voz alta e meu coração se alegra de novo. – Aleluia! – grito à Bulinha. Mas ela já se foi com as mãos sujas, precisa lavá-las depressa. Eram boas as plantas que andou arrancando? Eram más? Correu o risco do julgamento e agora tem medo. Adora fazer jardinagem e bordar. Madre Alix tinha que ser a maravilha que é para permitir que ela cuide do jardim e marque com essas iniciais vermelhas toda a roupa do pensionato. Enrolo no dedo o fiapo de linha que está se soltando de uma das letras, qual? Pensionato Nossa Senhora de Fátima. Falta o de mas está subentendido. (...) Aí está onde eu queria chegar: milhares de coisas estão subentendidas. Nas entrelinhas. O lado omisso. Quero a verdade, M. N., meu amado, escuta, entenda isso, quero a verdade. E você sugere reticências.” (Lygia Fagundes Telles)


(Lorena conversando com Lião, a militante revolucionária do Brasil dos anos de 1960):

“Perguntei-lhe o que estava fazendo nas horas vagas, agora que Miguel estava preso. “Não tem horas vagas, entende. Distribuo panfletos, oriento um grupo de estudos e traduzo livros. Isso quando não aparece uma missão mais importante”, insinuou amarrando os cordões das alpargatas. Sentei-me também no chão e fiquei fascinada pelas suas alpargatas. A sujeira tinha se incorporado de tal forma à lona que nem a mais engenhosa operação química conseguiria separá-las. Mas os cordões estavam limpos, misteriosamente limpos. Não era mesmo estranho aqueles cordões assim brancos? Pensando nos cordões perguntei-lhe se seu amigo ainda estava incomunicável. “Qual deles, Lena. Tantos estão incomunicáveis. Uma crise infernal. Precisamos de dinheiro, de gente, de tudo. Fico feito doida com os montes de coisas urgentíssimas que devem ser providenciadas. Mas fazer o que sem oriehnid. O quê. Ainda assim pensa que perco a fé? Pensa? O programa da revolução está inteiro estruturado, resta ligar o pequeno motor que somos nós com o motor principal”. Levantou-se com cara de comício e andando de um lado para o outro, discursou sobre a dificuldade do operariado em se organizar, a maior parte habituada à servidão, à miséria, herança transmitida por gerações de conformismo. O medo, Lena. Medo de assumir, (...) Temos um bom grupo pra o que der e vier, o problema é com os mais velhos, os intelectuais. Salva-se uma meia dúzia. Assinam os manifestozinhos, fazem suas reuniões secretas, o sorriso secreto da Gioconda, o copinho na mão. E daí?” Olhei para o copo que ela segurava com a energia de um atleta segurando o bastão na corrida de revezamento. (...) Lião agarra tudo com dedos e unhas, (...) Voltei aos cordões: mas por que só eles estão limpos?” (Lygia Fagundes Telles)

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