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terça-feira, 30 de junho de 2009

30 DE JUNHO: ANIVERSÁRIO DE GILBERTO MENDONÇA TELES


PARA GILBERTO MENDONÇA TELES VOTOS DE FELIZ ANIVERSÁRIO!

São os mais sinceros votos de Neuza Machado e Alexandre Machado, administradores dos blogs neumac.blogspot.com e caffecomlitteratura.blogspot.com.

domingo, 28 de junho de 2009

ROGEL SAMUEL: FOI ONTEM QUE TUDO ACONTECEU

Neuza Machado

ROGEL SAMUEL: FOI ONTEM QUE TUDO ACONTECEU
SOBRE A OBRA EPO-LÍRICA “120 POEMAS”


Neuza Machado

Rogel Samuel (Manaus, 1943) não é um novo poeta: Desde os anos 60 escreve e publica - já em 1965 era incluído na antologia de Anísio Mello, Lira amazônica, publicada em São Paulo; e aparece também na Grande Enciclopédia da Amazônia (Belém, 1968) de Carlos Rocque. Publicou muitos poemas em revistas e jornais, ainda que a grande parte de sua obra permaneça inédita (cerca de 200 poemas). E é como poeta que hoje aparece na Enciclopédia da literatura brasileira (Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, MEC). Por isso é que, quando finalmente ele publica os seus Poemas (Rio de Janeiro, 1990, 120 poemas, edição limitada a poucos exemplares, encadernados) insistimos em comentar a sua poesia.

Os Poemas de Rogel Samuel estariam inseridos numa nova proposta. literária? Seriam características de uma fase de transição na literatura, ou estariam inaugurando (talvez, com outros poetas das duas últimas décadas) uma mudança na História da Arte da Poesia? Poesia lírica ou poesia épica? Poesia epo-lírica?

O certo é que seus versos são incomuns, e o incomum não é privilégio de todos. Por ser incomum, ainda não há como caracterizar sua obra poética. Que é uma narrativa (ou várias) não há dúvida. Narrativa fragmentada, como fragmentado é o homem do século XX. Narrativa-ruptura contra o instituído, o tradicional, inclusive, contra as antigas rupturas da forma poética. O sujeito poético trabalha-batalha com o não-dito e é uma operação de vida e de morte. Ele vive e morre e renasce a cada verso, porque, ao nascer, uma fênix pronunciou seu nome e apresentou-lhe o tesouro do "vazio criador". Um não ao preenchimento instituído. O preenchimento instituído não faz parte de seu fazer literário. Seus versos navegam águas profundas: "Não velejarás/ por viajar/ não velejarás/ entre as paredes más". Um não às formas instituídas e sem vida. Sim ao direito de dizer não. Ao direito de escrever só para leitores eleitos; sim ao direito de "escrever tão pouco/ que o verso/ não perturbe o silêncio". Sim ao direito de escrever só "quando as dores (o) assaltarem/ que é quando as folhas das (? )/ colhem palavras do não".

Eis aqui o sujeito que não aceita escrever por escrever:

Não. Não escreverás um
só texto
mas o que for dito
e luminoso.

Sujeito fragmentado, porque não se adapta às leis da continuidade estabelecida. Sujeito fragmentado, porque quase todas as suas faces/fases não pertencem à realidade: sujeito extra-realidade.

O sujeito poético retorna no tempo, porque quer desvendar as formas conceituais que propiciam culpa e castigo; retorna no tempo, porque há fragmentos de seu ser ainda presos à realidade, e ele quer libertar-se, assumir o não-constituído.

O sujeito poético é narrativo e lírico, mas não é ficcional. Sua narrativa é verdadeira, são suas verdades mais íntimas reveladas ao arrancos: verdades fragmentadas. O sujeito é lírico, mas seus versos não são líricos, são verdades. São épicos. Nova epopéia. Epopéia de 80. Epopéia lírica, porque o sujeito é lírico. Os poemas não. O poema lírico possui subjetividade, mostrando-nos a objetividade do mundo. Aqui, ao contrário, há a objetividade, porque a realidade dos poemas faz parte da história pessoal do sujeito poético: é realidade pura. O sujeito quer enunciar/anunciar algo que fez/faz parte de sua história pessoal. Narrativa épica, épica não-tradicional, porque é a verdade do sujeito, suas experiências de vida como ser que se obriga a ter uma existência concreta. O lado concreto do sujeito poético. A vida é curta, "Vadiemos, pois". Não há deuses. Criemo-los, pois. Criemos o mítico, no subjetivo da História. Se não há mais como passar além do eu, coloquemos um eu sublimado no centro da História, um eu experiente e pluralizado. Não há lugar no mundo para o individualismo, naveguemos, pois, todos unidos, Artista e leitores privilegiados. Não há lugar para super-heróis, sejamos, pois, todos, heróis de uma epopéia de seres marcados por vivências desencontradas. Seres, habitantes de um Mundo fragmentado. Não há o tempo épico tradicional, não há demarcações explícitas, porque o tempo não se faz distante. Foi ontem que tudo aconteceu. Foi ontem, mas se encontra distante, temporalmente, dentro do mundo literário do sujeito poético. Se se encontra distante literariamente, nada mais justo do que uma apresentação dos fatos históricos/subjetivos que marcaram a realidade do sujeito. Apresentação: essência do épico, segundo Staiger. Apresentação fragmentada, descontínua, trechos de uma história pessoal, relato que unifica, que se faz ouvir apenas no âmbito do poético. Não há tempo definido, a não ser por datas que pouco esclarecem. Não há espaço, porque o espaço é uno. Não há antes. Não há depois. Há dores. Há sofrimentos. Há angústias. Há o sentimento do irrealizável. Fragmentos de um cotidiano rico e absoluto para o Poeta. O Absoluto não se encontra mais aquém e além da realidade. O sujeito poético encontrou seu Absoluto no literário, e o literário é verdadeiro em-si, completo. E é substancial enquanto expressão da alma.

Se a narrativa é fragmentada, a verdade é inteira. Só não a vê quem não quer. Os leitores eleitos vêem. Não há mentiras.

O sujeito é um ser extra-realidade, que assume suas experiências de vida, experiências comunitárias. O sujeito mitificou-se, para produzir o épico. Não há mitos clássicos numa realidade fragmentada. O herói é o sujeito poético, único herói, despersonalizado, porque somatório. Soma de desvalidos existenciais, buscando uma História que os componha, buscando sobreviver no Caos, heroicamente.

"Deixa de/ lastimação/ que amanhã/ não acordarás"/, herói. "Por perto/ ronda o céu/ aberto/ que é necessário ao/ heróico fugir".

Fuga de herói. Busca de céu aberto com todos os eleitos, se por ventura (ainda) existirem. Busca, e com ele vêm todas as experiências literárias que se encontram na História.

(Neuza Machado é Doutora e Mestre em Ciência da Literatura/Teoria Literária – UFRJ, Professora da Faculdade de Letras da Universidade Castelo Branco, autora de O Narrador toma a vez: Sobre "A Hora e Vez de Augusto Matraga" de Guimarães Rosa, Do pensamento contínuo à transcendência formal: Sobre a obra ficcional de Guimarães Rosa, Criação Literária: Tema e Reflexão: Sobre a obra poética de Gilberto Mendonça Teles).

sexta-feira, 26 de junho de 2009

CONTOS DE SONHAR SEM FIM / 2009 - VI

NEUZA MACHADO

6 - A CASA ILUMINADA
NEUZA MACHADO


Em uma de minhas noites febris, repletas de sonhos com circunstâncias diferenciadas, com muita dificuldade eu comecei a subir um caminho, estreito, ermo, a direção de uma altíssima serra, muito parecida com as inúmeras serras e montanhas que compõem a geografia do Estado de Minas Gerais (serras estas recortadas por uns poucos restritos caminhos, próprios para os trabalhadores do campo). A direção do tal caminho, pela perspectiva de meu sonho, ao longo da subida, voltava-se para a minha direita. No entanto, apesar de ser ainda um dia claro, estava deserto. E, da mesma forma, nas encostas próprias para plantações diversificadas, não se percebia nenhuma movimentação laboriosa.

Já estava caminhando, serra acima, por um bom tempo, respirando com inquietação, quando ouvi estampidos de arma de fogo, e me vi obrigada a esconder-me atrás de uns arbustos (do lado direito da estrada, sempre pela minha perspectiva). Nesse ínterim, descendo a ladeira, em desabalada carreira, apareceu um homem, e, atrás dele, vinha um outro, em seu encalço, com um revólver na mão. Os dois - o perseguido e o perseguidor - não deram pela minha presença por entre os arbustos, e sumiram nos desvãos de meu sonho.

Depois da cena perigosa, retomei a minha caminhada e continuei, morro acima, o meu cansativo passeio. Nos incomuns entrementes do percurso, outros obstáculos surgiram, tais como alguns trechos problemáticos abarrotados de pedregulhos e lama. E a estreita trilha de meu sonho continuava despovoada.

Nesse meio tempo, consegui chegar à parte de cima da serra. Nesse trecho do trajeto de meu sonho (ainda à direita de meu ponto de observação), o tal caminho terminava em um outro, sobre a elevação montanhosa. Continuei tomando o rumo de minha direita e entrei no tal percurso, reto, um pouco mais largo do que o anterior, por cima do dito monte de base extensa. Dali, do alto, eu visualizava os dois lados. E a visão panorâmica era de uma beleza extraordinária, um cenário por demais colorido. Nesse espaço de tempo do sonho eu já caminhava descansada, sem os incômodos próprios dos tais entrementes do pesadelo inicial.

Depois de muito andar, eu percebi que o dia ensolarado já estava se aproximando do declínio, como se eu já estivesse a caminhar sem destino na parte da tarde. Senti-me momentaneamente agoniada, pois não enxergava, para o meu conforto, nenhum abrigo disponível. No sonho, eu tinha pleno controle de minhas emoções, pois estava consciente de minha solidão, ali, naquela estrada de terra, ao entardecer, no alto de uma desconhecida montanha. E já estava também começando a sentir uma espécie de medo, pois me percebia ansiosa e expectante, como se algo extraordinário estivesse por suceder-se. O meu olhar percorria o cenário, buscando uma solução para o impasse de meu próprio sonho.

Foi então que uma grande casa (com a porta e as janelas abertas) apareceu, diante de mim, como que por encanto. O caminho do alto da montanha terminava nela. A casa estava espantosamente iluminada, por fora e por dentro. Ainda não era noite e a tal casa brilhava diante de meus olhos maravilhados. Corri em sua direção, para abrigar-me.

Não havia cercas ao redor da casa. A porta de entrada estava aberta e iluminada, assim como as janelas. Um pouco receosa, entrei no grande salão estranhamente vazio. Não havia móveis em seu interior (um único e imenso cômodo), mas, as inúmeras lâmpadas iluminavam-no de uma forma extraordinária. A incomum luminosidade abrangia todo o aposento, alcançando também o lado de fora, translucidamente. Dominada por uma atmosfera de deslumbramento, vi-me envolvida por aquela luz intensa.

Acordei, logo a seguir, com o impacto do climax do sonho. Não me lembro de ter saído daquela incrível casa, completamente transbordante de luzes.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

CONTOS DE SONHAR SEM FIM / 2009 - V

NEUZA MACHADO

5 - A MONTANHA OCA, A LARGA RODOVIA E O MAGO-OURIVES
NEUZA MACHADO

Eis o sonho:

Eu estava em uma casa, no campo, em visita à minha prima (Nelci), nos arredores da Cidade de Divino do Carangola, em Minas Gerais. Entretanto, a casa não era a mesma residência de minha prima (aquela que conheço). O lugar era diferente, mas, no sonho, a minha prima era a proprietária das terras e do casarão.

No auge do que me lembro, eu já estava de saída e me despedindo. Pois foi a partir da despedida, com abraços e promessas de breve retorno, que descortinei o cenário do sonho. As terras e o casarão ficavam em um lugar plano (totalmente diferente do lugar em que a minha prima mora), mas (ainda no sonho), repleto de flores e arbustos muito verdes, onde se localizavam alguns animais. Em algum flash do sonho, minha prima acompanhou-me até ao portãozinho, que ficava em frente à sua casa. O terreno, que comportava o casarão, era todo cercado por arame liso (uma cerca baixa), entrelaçado com vegetação florida. Em frente, existia um caminho estreito, de roça, rente a uma montanha. Explicando melhor, as terras campestres e o casarão do sonho se localizavam na base da montanha. Ao longe, em um plano superior, em ângulo para a minha direita, visualizei um trecho de uma grande rodovia de muito movimento, na parte de cima da dita montanha. Muito ao longe (ainda, em ângulo para a minha direita), detectei um ônibus em movimento, vindo à minha direção. Eu o visualizava bem pequenininho, por causa da distância. Entretanto, muitos carros passavam em disparada, na rodovia, na parte superior da montanha. Lembro-me de que, no sonho, falei para a minha prima: “Não conseguirei chegar até a estrada, para parar o ônibus. O caminho até ao alto é muito íngreme”. Mesmo falando, no sonho, eu via um caminho estreito, serpenteante, oblíquo, em direção à estrada. Foi aí que a minha prima respondeu-me: “Você não precisa ir por aquele caminho. Passe por dentro da montanha. Dentro dela existe uma saída que vai dar na estrada, aí em cima”.

Despedi-me às pressas de minha prima e entrei em um grande orifício da montanha (uma espécie de portal rudimentar), o qual ficava bem defronte ao portão de entrada do casarão, em busca do caminho até à estrada. E a minha surpresa, mesmo sonhando, foi imensurável!

Nessa etapa do sonho, vi-me dentro de uma extraordinária cavidade. A montanha era totalmente oca. E, ali, existia uma movimentação febril. Era como se fosse uma Grande Cidade, com pessoas andando de um lado para o outro. Alguns trabalhadores escavavam-na, dirigindo poderosas escavadeiras motorizadas. E usavam capacetes para proteger as cabeças. E o lugar era mesmo uma montanha interiormente esburacada, com reentrâncias nas paredes escarpadas, e muito pedregulho nas laterais. E aquela agitação toda não se harmonizava, em absoluto, com o início do sonho, vivenciado em um ambiente campestre.

Em meio ao burburinho, procurei sofregamente o caminho de saída para a estrada, pois, pela minha perspectiva sonambúlica, o ônibus almejado já estava próximo. Foi então que avistei o tal caminho.

O trajeto, dentro da montanha, se direcionava em sinuosidade até a uma pequena fenda, no alto, em ângulo para a minha esquerda. Pela base, começava largo e, ao longo das reentrâncias, se ia afunilando, até chegar à abertura, no ponto mais elevado. No reduzido orifício de saída se percebia uma difusa luminosidade, como se fossem raios de sol. Muitas pessoas - homens, mulheres, adolescentes e crianças - caminhavam, subindo em ziguezague, a direção da minúscula abertura. Ansiosa, entrei no cortejo. E, de repente, incomuns obstáculos começaram a se desenvolver.

Inicialmente, comecei a caminhar com tranqüilidade, conversando animadamente com uma jovem e um menino de uns cinco anos, mais ou menos. Ao longo da caminhada, comecei a sentir cansaço, respirava com sofreguidão, pois a subida começava a se tornar difícil. Em um dado momento, o caminho desapareceu, pois, para retomá-lo, havia a necessidade de escalar uma pequena escarpa, evidentemente em aclive e verticalmente. Muitas pessoas, à minha frente, já estavam realizando a proeza, mas, quando chegou a minha vez, percebi que a jovem e o menino não estavam conseguindo escalar o atalho, repleto de pedregulhos e terra solta. Vi-me ajudando-os. Primeiramente, empurrei a jovem para o alto e, rapidamente, ela se pôs a caminhar, acompanhando os outros. Depois, fui ajudar o menino. Aí, tudo se complicou, porque ele pesava muito. Eu me sentia cansada, respirava com muita força e meus braços doíam, na ânsia de empurrá-lo para cima. Até que ele conseguiu e se foi, sumindo de minha visão. Não sei como, milagrosamente, eu também consegui escalar o pequeno atalho. Fiz muito esforço (disso me lembro bem), pendurando-me nas fendas da parede de pedra, até alcançar a pequena trilha. E me vi caminhando, em meio a muitas pessoas, já descansada, em direção àquela luz do orifício, à saída da montanha, pelo alto, para a estrada de rodagem.

Quase na saída, no pedacinho iluminado pelo sol, percebi o chão de terra fina e fofa. Naquela macia camada de terra, alcancei vislumbrar pequeninas jóias de ouro - anéis, brincos, camafeus e, inclusive, pedrinhas brilhantes -, faiscantes, graças à luz que entrava no orifício, mas, só eu as via, os outros caminheiros passavam com as cabeças erguidas, sem olhar para o chão. Entretanto, não toquei em nenhuma jóia, somente as admirava, enquanto caminhava. E nesse momento do sonho, já não conversava com os outros caminhantes.

Relembrando o sonho, depois desses anos todos, tenho a convicção de que me encontrei em apuros para sair da montanha. O orifício era muito estreito e tive de estirar-me ao chão, como uma lagarta, ansiosa por ver-me à luz do dia. O mais interessante é que os outros saíram normalmente, o que não foi o meu caso. Mas, ao sair, deparei-me com uma estrada magnífica, ultramoderna, larga e movimentada. E vislumbrei, ainda longe, bem distante, o mencionado ônibus, o qual, certamente, me levaria a algum lugar.

Contudo, ao sair da montanha, vi um homem louro, cabelo meio comprido, a se parecer com um pajem antigo, sentado em um tamborete, cinzelando as tais jóias que foram vistas anteriormente. Ele estava de costas para a tal saída da montanha e, logo que terminava uma peça, jogava-a na fenda, displicentemente. O ourives possuía uma aparência medieval e usava um macacão dessa época. Na verdade, hoje, posso afirmar que ele se parecia com o Mago do Tarô Tradicional. Em meu sonho, o ourives continuou com a cabeça inclinada para baixo, trabalhando diligentemente, e não me olhou, não se surpreendeu com a minha presença. Parecia não fazer parte daquele lugar.

Finalizando, o ônibus chegou em tempo, para que eu pudesse nele viajar. E eu entrei nele. E, com certeza, o sonho continuou, mas, não me recordo do que aconteceu depois.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

CONTOS DE SONHAR SEM FIM / 2009 - IV

NEUZA MACHADO

4 - A VIAGEM
NEUZA MACHADO

Nessa época, eu já estava morando na Rua Garibaldi, na Tijuca. Ali, muitos sonhos interessantes povoaram as minhas noites, pois o prédio em que eu morava era muito silencioso. Aos poucos, pretendo relatá-los.

Em um deles, eu estava a sair de casa na parte da manhã. Ia ministrar duas provas em uma Universidade. No sonho, eu me vi saindo de meu apartamento.

Ainda o sonho: Cheguei a um local desconhecido, para o trabalho regular e para ministrar as ditas provas. Movimentei-me na sala repleta de alunos (alunos desconhecidos) e distribuí as provas. Eles estavam comportados e compenetrados, elaborando as questões propostas.

No intervalo de uma prova para a outra, por algum motivo inexplicável, saí rapidamente, pretendendo voltar, logo a seguir, para aplicar a segunda prova.

Já na rua, comecei a caminhar a passos rápidos. Como estava com muita pressa, um jovem desconhecido motorista, com cabeleira louro-dourada, esvoaçante, que passava por ali em seu automóvel vermelho, com o teto de lona arriado, diminuiu a velocidade do veículo e se aproximou de mim, oferecendo-me um grande embrulho. Quando abri o embrulho, vi que eram passagens de metrô, acomodadas em tiras compridas, subdivididas, para serem destacadas, ou seja, tiras de passagens semelhantes a invólucros de band aid. Logo a seguir, deu-me carona até ao Viaduto que fica antes da Praça Onze (oViaduto Paulo de Frontim). O carro esporte vermelho, com a capota arriada, chamava a atenção dos passantes. Em um determinado momento, saí do automóvel brilhante, agradecendo a carona.

Ia atravessar a rua movimentada quando, na terceira passada, um grande caminhão de transportes bateu violentamente em mim. Levantei-me do chão e o caminhão desapareceu, como em um passe de mágica. Uma vez que não havia sofrido nada, atravessei a rua e continuei, tranqüilamente, o meu caminho, a direção do ponto de ônibus.

De repente, ao invés de estar no ponto de ônibus, vi-me em um quartinho apertado e um pouco comprido, onde algumas pessoas, em fila indiana, esperavam para comprar a passagem. Fiquei na fila unicamente para não perder a minha vez de entrar naquele lugar desconhecido, pois já possuía o ingresso.

Uma senhora negra era a primeira da fila e se encontrava rente a uma porta metálica. Eu era a sexta. Quando olhei à minha volta, o quartinho estava cheio de pessoas que esperavam entrar em algum lugar desconhecido.

Olhei para cima, obliquamente, e vi uma pequena janela no teto do quartinho, na qual um rosto de mulher me observava fixamente. Ao ser surpreendida por mim, fechou a abertura.

Nisto, ouvi o barulho de uma locomotiva e, imediatamente, a senhora negra tentou abrir a porta. Conseguiu abri-la e quase foi lançada em direção ao nada. Isto, porque o quartinho se movimentava e só por milagre ela conseguiu se segurar. Não havia plataforma, não havia trilhos, não havia estação, mas o quartinho passou a representar um vagão de trem. A senhora negra, retrocedendo, afastou-se um pouco e a porta fechou-se como se fosse encantada. Se antes não havia assentos no apertado recinto, esses apareceram milagrosamente. E o quartinho se transformou em um veículo de viagem. Vi-me sentada perto da janela, apreciando o panorama cinematográfico que se apresentava diante de meus olhos.

O quartinho corria velozmente, em aclive, sobre trilhos imaginários. Em meio à movimentação do sonho, visualizei cenários incríveis, parecidos com as terras de faroeste americano. A terra era vermelha e poeirenta, exatamente como aquelas apresentadas nos filmes americanos, e o quartinho corria velozmente, sempre em aclive.

Olhei novamente os passageiros e dei de cara com o rapaz louro, belíssimo, aquele que havia me dado o embrulho com os bilhetes e me oferecido carona em seu automóvel esporte vermelho-brilhante. Não sei explicar o motivo, mas ele também apareceu no interior do pequeno quarto em movimento, incluindo o seu incomum veículo vermelho.

Gritei para ele (o barulho do trem era insuportável) que eu não iria conseguir voltar a tempo para ministrar a segunda prova. Ele, aos gritos, respondeu-me que não me preocupasse, pois haveria tempo sobrando, que aproveitasse o máximo do duradouro passeio, pois era relaxante, e eu estava precisando de um longo período de entretenimento.

Não saí do quarto-vagão. Acordei, repleta de uma incomum felicidade.

O sonho permanece vívido em minha memória. O motivo? Antes que esquecesse de todos os detalhes, registrei-o em uma caderneta, imediatamente, ao acordar (antes mesmo do asseio matinal, para o café da manhã). Sempre relembrando o sonho, tantos anos passados, percebo que, até hoje, a minha vida corre velozmente sobre trilhos imaginários, em meio a infindáveis sonhos de felicidade, e, sempre, procurando realizá-los. De vez em quando, presa às imposições vitais, detenho-me, para consertar alguns trilhos descarrilados.

sábado, 20 de junho de 2009

CONTOS DE SONHAR SEM FIM / 2009 - III

NEUZA MACHADO

3 - O APARTAMENTO-COBERTURA E O HOMEM-ÁGUIA
NEUZA MACHADO

Nessa época, eu estava recém-separada, depois de um casamento de vinte e quatro anos (e com três filhos adultos). Por aquele tempo, eu trabalhava como professora (trabalho ainda). Com a separação, aluguei um apartamento em um prédio da Rua Benjamim Constant, no Bairro da Glória, no Rio de Janeiro. Enquanto aquilo, eu procurava adaptar-me à minha nova realidade existencial. Por tais motivos, as minhas noites de sono não eram muito tranqüilas, estranhos sonhos e sonolências mórbidas povoavam a minha mente.

Em uma daquelas noites, insólitas e inesquecíveis (vivenciando um sonho por demais nítido), vi-me entrando em um elevador, retornando para a minha residência (a residência do sonho), que se localizava em uma ampla cobertura, no alto de um prédio de vinte e um andares. Lembro-me do número do andar da cobertura, pois o vi, nitidamente, quando saí do elevador para entrar no apartamento. Logo que abri a porta de entrada, caminhei por um amplo salão, com poucos móveis, pois o que se destacava era o assoalho castanho-dourado, brilhante.

De repente, olhei para trás e não vi mais a porta de entrada/saída. Eu estava presa naquele luxuoso ambiente. Mas, as amplas janelas estavam abertas, o dia estava claro em demasia, e existia uma porta que dava para um terraço imaginário (eu não via o terraço, mas tinha consciência de que ele estava ali). Sentia-me angustiada naquele expectante ambiente.

Logo depois, uma águia imensa, preta, com olhos penetrantes, e com o bico atemorizador, começou a voar em volta das janelas panorâmicas, abertas, do apartamento-cobertura. Voava e me olhava. Dava voltas, voando em volta das inúmeras e largas janelas, e me olhava fixamente. O seu tamanho era assustador. Às vezes, a imensa ave planava, com as asas abertas, imóvel no ar, em minha direção e em sentido frontal, olhando-me sempre. Em contrapartida, eu também a olhava admirada e com preocupação. Interagindo com o sonho, eu sabia que ela estava ali por minha causa. Encolhi-me em um canto do salão, esperando que ela entrasse por uma das imensuráveis janelas ou pela porta do terraço, para agredir-me ou coisa pior.

Acuada e imobilizada, parada em um cantinho do salão, vi a grande águia entrando pela porta do terraço. O chão, brilhante, encerado, metálico-dourado, refletia a estranha criatura. Era uma ave alta e magra, com aspecto de homem e cabeça de águia. Lembrava uma figura medieval, com a cabeça coberta, com as penas como se fosse um capelinho preto confundindo-se com a cabeça de ave, e a longa túnica preta também se misturando com as penas pretas. Usava coturnos medievais, pretos, que se identificavam com os pés próprios de uma ave. As asas negras, caídas ao longo do corpo, como se fossem braços, se ajustavam a uma espécie de forma masculina. O homem-águia veio se aproximando de mim, lentamente. O medo que eu sentia desapareceu, como que por encanto. O grande homem-águia abriu as asas para abraçar-me. Senti-me leve e protegida, aninhada em seus braços. Não sei dizer se, no final, eram asas ou braços. Mas, a face era de águia, com bico, olhos, e todos os pormenores que representam essa imensa ave.

Não me lembro de ter saído daquele reconfortante abraço. Não me lembro de ter saído daquele grande salão.

Ainda hoje, sinto-me protegida ao me recordar daquele intrigante abraço. Imagino que o meu Anjo Protetor possua a forma de um homem-águia (e, certamente!, não penso que seja um anjo maléfico).

quinta-feira, 18 de junho de 2009

CONTOS DE SONHAR SEM FIM / 2009 - II

NEUZA MACHADO

2 - OITO LUAS CHEIAS NO CÉU
NEUZA MACHADO

Era uma noite clara iluminada por uma espetacular Lua Cheia. Eu era uma jovem, magrinha, com longos cabelos cacheados, que já chegavam à cintura (em realidade e no sonho). Eu usava, nessa época, os cabelos presos em um volumoso rabo-de-cavalo. Na testa, eu exibia uma graciosa franjinha. Usava vestidinho de florezinhas coloridas, rodado e vaporoso. E, naquela noite de sonho, vi-me passeando, sozinha, em uma larga estrada desconhecida. Eu andava e andava, maravilhada com a paisagem prateada e com aquela atmosfera mágica.

Andei por um longo tempo. De repente, comecei a sentir frio e apreensão. A estrada se alargava, cada vez mais, e a noite, prateada pela Lua Cheia, que, do alto, no céu, me acompanhava ao longo do caminho (por cima de minha cabeça), começou a se tornar dourada, com um brilho intenso e assustador. Fiquei momentaneamente sem ação, com receio de continuar a minha caminhada noturna.

Quis descobrir o mistério. Continuei a caminhar em meio àquele brilho dourado. Enquanto andava, olhei novamente para o céu. Entrevi assombrada mais de uma Lua Cheia. Próximas à minha cabeça e um pouco mais à minha frente, oito Luas Cheias se destacavam, numa espécie de círculo brilhante, umas pouco distantes das outras, em movimento para frente. Continuei caminhando, contemplando o infinito, olhando as oito Luas Cheias que se movimentavam diante de meus olhos.

terça-feira, 16 de junho de 2009

CONTOS DE SONHAR SEM FIM / 2009 - I

NEUZA MACHADO

1 - A LONGA PONTE DE TRONCO DE ÁRVORE E O LARGO RIO INFINITO
NEUZA MACHADO

Na época do meu primeiro sonho (o que pretendo aqui relatar), eu já havia completado sete anos de vida no final do ano anterior. Minha família morava em uma casa de beira de estrada, no sopé da Serra dos Perons (uma montanha agrária que pertencia - ou pertence ainda - às inúmeras ramificações de um grande grupo famíliar de origem italiana, cujo patriarca - penso eu - chamava-se Alexandre Peron). Era uma casinha de meeiro localizada no sítio do patrão de meu pai, o senhor Delilo Coutinho (irmão daquele famoso magnata do futebol brasileiro dos anos cinqüenta e sessenta, o empresário Giulite Coutinho, anos depois presidente da CBF), casinha esta que se localizava na entrada da cidade de Santa Luzia do Carangola de Minas Gerais, vindo da BR116 (onde atualmente existe um Anel Rodoviário, em bifurcação, pois, do lado esquerdo da mesma entrada/saída da Cidade, a estrada se direciona a cidade de Divino, e, do lado direito, atravessando o rio Carangola, a mesma estrada vai a direção à Varginha e outras localidades adjacentes).

A mudança da casa velha (do Bairro de Santa Maria, onde eu nasci), uma casa antiga próxima ao grande Pontilhão de Ferro da Linha Ferroviária da Princesa Leopoldina, para aquela, a daquele momento, acontecera naqueles dias, imediatos ao dia do acontecimento desta minha narrativa. (O pontilhão, precioso, fabricado na Bélgica, e que se localiza, ainda hoje, nas imediações da já destacada casa velha, poderá ser apreciado em alguns Sites de Carangola). Assim, no meio dos entretantos do tal evento que desejo narrar, Mamãe diligenciava, muito ocupada com a arrumação de nossos poucos e usados móveis, em faina constante, muito trabalhadora e, por incrível que pareça, inigualável na cozinha (logo, a Mamãe!). Mamãe, naquele momento, encontrava-se atarefada com as panelas de ferro, pretas, sem polimento algum, e com o cozimento das refeições, e muito feliz na recente residência.

A bem da verdade, minha mãe não era lá muito fanática por arrumação de casa e, muito menos, com o brilho das panelas e horário de refeições. O fogão de lenha de nossa casa só fazia fumaça acionado por seu progredido estômago. O que eu quero dizer é que o horário das refeições, lá em casa, naquela época e em épocas posteriores, não acompanhava o tique-taque do relógio. Comíamos na hora em que Mamãe sentia fome.

Então! Então, naquele dia era um Domingo. Mamãe estava a receber a visita de sua irmã caçula, a Tia Fisica (que iria passar uns tempos em nossa casa). Mamãe matava algumas galinhas de nosso terreiro; retirava carne de porco das latas de gordura (carne temperada e cozida, mergulhada em banha de porco, para durar por algum tempo, pois, naquela época e nas pequenas Cidades, poucas famílias possuíam geladeira em casa); catava feijão para cozinhar em um grande panelão, cuja trempe se localizava em um fogareiro, do lado de fora da casa; e outras atividades mil. Por conseqüência, com tal azáfama, seu propósito era preparar um lauto jantar para nossa visita.

Mas, com todo esse movimento, o jantar estava demorando a ficar pronto. Por que? Porque as duas conversavam, e conversavam, e conversavam, e a esperada janta não saía de jeito nenhum. A janta, naquele tempo, era servida por volta das dezesseis horas, ou melhor, deveria ser servida nesse horário, mas nem sempre assim, se a cozinheira fosse semelhante à Mamãe. O almoço, como era o costume daquela época, nas cidadezinhas do interior de Minas Gerais, era servido às oito horas da manhã (isso, se a Mamãe acordasse antes das oito) e o café da tarde, geralmente, por volta de meio-dia, mais ou menos. A janta, por volta das quatro da tarde. Às vinte horas, pontualmente, era servida a ceia, enquanto ouvia-se a novela radiofônica (aquela que substituiu a incomparável novela de rádio O direito de nascer, adaptação em português de um dramalhão mexicano de uma famosa novelista chamada Glória Magadan). Pois dormíamos cedo, naquela época, só depois da novela do rádio. (Esquecia-me de dizer que os adultos só tomavam café puro ao acordar, para iniciarem a lida. Somente as famílias muito ricas tinham o costume de um lauto café da manhã, com mesa posta e tudo. Evidentemente, não era assim em nossa casa).

Só que, em nossa casa, e por causa dos descontentamentos de Mamãe, a janta coincidia, quase sempre, com o horário da ceia. É bom recordar o fato de que o Papai saía cedo para o trabalho. O pobre tomava um cafezinho requentado, antes de sair de bicicleta em direção ao serviço, na cidade, como funcionário-guardião do Armazém de Cereais do Seu Delilo Coutinho. Mas, naquele dia, era domingo. Eu e o Papai esperávamos pacientemente a janta, que estava custando a sair das pretas panelas de ferro não-polidas. Mamãe conversava e conversava com a tia Fisica (por nome Yolanda, na certidão de batismo).

E o caso estranho que quero relatar foi assim:

Devia ser umas cinco horas da tarde. Cansada de esperar pela janta (que estava custando a ser servida por Mamãe), recostei-me em um travesseiro de paina, na caminha de solteiro que ficava em um quarto-saleta próximo à cozinha. Papai já estava ressonando no quarto do casal, o quarto da frente. O dia estava meio frio. Agasalhei-me com uma cobertazinha fuleira (cobertura de pobre, também chamada de coberta-bicicleta, não sei por quê?), e envolvi-me em meus sonhos infantis, próprios de uma menina de sete anos. Não tardei a pegar no sono. E comecei a sonhar. E o sonho parecia real.

De verdade, extra-sonho, havia um largo terreirão em frente a tal casinha da estrada, aquela em que morávamos. Depois da estrada de rodagem (uma ramificação rudimentar da BR116-Estrada Rio-Bahia passando pela cidade de Carangola), do outro lado, havia uma espécie de declive acentuado, arborizado, e, lá embaixo, se localizava um grande casarão de fazenda, já muito velho e caindo os torrões das paredes e podres as tábuas do assoalho (nesse casarão velho, de propriedade do senhor Delilo Coutinho, moramos também, posteriormente; hoje, a Casa-Fazenda já não existe e ali se localiza o tal Anel Rodoviário, passando um viaduto por cima do rio, e, com isto, distribuindo a estrada em várias direções). O cenário, no qual eu costumava entreter-me com outras crianças (com brincadeiras-mil), naquele tempo e até hoje, estava sempre a oferecer, a olhos privilegiados, muitas árvores frutíferas, e, para completar o panorama de pura maravilha, lá em baixo, próximo ao velho casarão, passava o rio Carangola. Ali, naquele lugar, passei maravilhosos momentos, quando criança.

Mas, como eu estava contando, a janta estava demorando a sair do fogão para nossos estômagos famintos. E Mamãe conversava, conversava, conversava com a Tia Física, e mastigava, mastigava, mastigava, alguns pedaços de carne de porco e carne de frango e provas de comida, assim como também a Tia Fisica. E a Tia Fisica rememorizava todos os casos acontecidos na roça, contando todos os episódios tim-tim-por-tim-tim. O Papai dormia, com fome, coitado!, na cama grande do quarto da frente. E eu, Menininha!, cochilava com fome também no quartinho da sala.

De repente (eis aí o sonho!), o rio Carangola já estava diante do grande terreiro de nossa casa, já não havia estrada de rodagem coisíssima nenhuma; em baixo, já não existia nenhuma casa-fazenda caindo aos pedaços, não senhor!, nem mesmo árvores frutíferas, nem nada. Somente um largo rio (que já não era o rio Carangola), parecendo um imenso braço de mar de tão grande, separando a nossa casinha (sem magnificência) da visão de uma brilhante Cidade, que ficava lá, longe, diluída na paisagem e nos reflexos do grande rio, extenso... extenso... extenso...

No meu sonho infantil, olhei maravilhada a aparição, e, imediatamente, surgiu uma longa e grossa tora de madeira, presa nas duas margens como se fosse uma longa longa longa ponte, unindo a minha casinha de roça à grande Cidade, que se avistava ao longe.

Pela minha perspectiva inocente, a Cidade longínqua era grandiosa. Vi casas e ricos sobrados, maravilhosamente iluminados. E era dia! O sol os iluminava. E eu quis atravessar a ponte de tora de madeira e ir para o outro lado. E eu era uma menina de sete anos, bem caipirinha, bem roceirinha, bem o adjetivo inferiorizado que você quiser (não se esqueça; eu não conhecia nenhuma grande Cidade).

Comecei a caminhar, procurando equilibrar-me em cima da tora que ficava sobre o amplo rio. Caminhei até à metade. No meio do rio, depois de ter caminhado por um longo tempo, sempre me equilibrando, comecei a sentir frio e medo. Minhas pernas infantis já não colaboravam com a minha ânsia de atravessar o rio e ir para o outro lado, onde se localizava o estupendo cenário. As pernas falharam, eu escorreguei no liso da tora, e me vi sentada, com as pernas abertas sobre a tora de madeira, com muito medo de cair naquelas águas claras e tranqüilas. O rio era um espelho tranqüilo. Não me lembro de águas revoltas. Sentada (montada, com as pernas abertas ─ em forma de ípsilon de cabeça para baixo ─ sobre a tora de madeira), eu procurava movimentar-me, por certo sentada, dando impulso, elevando o corpo, sempre para frente. Quase chegando ao outro lado, vi-me em apuros, prestes a cair naquelas águas tranqüilas e profundas. Em desequilíbrio, eu murmurava: ui!, ui!, ui!, olhando sempre em direção à Grande Cidade.

Não cai. E não voltei para trás, pois acordei.

Acordei com a Mamãe me perguntando: “O que ocê tá sentindo, Neuza? Por que ocê tá gemendo ui!, ui!, ui!?”. “Não estou sentindo nada não, Mamãe! Estava sonhando um sonho bão demais da conta! A senhora me acordou, antes d’eu chegar à cidade!... Já tem janta, Mamãe?”. “Que janta o quê? Já é de manhã. Ocê dormiu sem janta. Um sono só, desde quatro da tarde. Não quis acordar ocê não. Ocê vai mais é tomar café, menina!, e ir logo p’ru Grupo Escolar, porque hoje já é segunda-feira!"

Anos depois, já estávamos morando na Grande Cidade do Rio de Janeiro. Em 1991, atravessei o Oceano Atlântico, sobre uma ponte de tora de madeira imaginária, pois olhava aquele marzão infinito da janelinha do avião. Viajava feliz, para conhecer algumas Cidades da Europa. Em dezembro de 1995 e todo o ano de 1996, morei em Manaus, tendo por visão, o grande rio Amazonas, visualizado em sonho aos sete anos de idade. Exatamente igual. Em 1997, já de volta ao Rio de Janeiro, eu atravessava, todas as quartas-feiras, a Ponte Rio-Niterói, para trabalhar em São Gonçalo, como professora universitária. Nas idas e vindas, eu revivia o meu sonho dos sete anos. Tanto do lado do Rio de Janeiro, quanto do lado de Niterói, a minha perspectiva era sempre a mesma: uma longa ponte, um imenso rio-mar, e, bem próximas, duas magnificentes Cidades. Tudo exatamente igual.

Até hoje, as Grandes Cidades, as Longas Viagens e as Intermináveis Aventuras continuam em meus Sonhos de todas as noites. Os Caminhos da Roça, também. Graças a Deus! Felizmente, não perdi contato com as minhas raízes! Continuo direcionando os meus sonhos noturnos (manipulando-os), sempre para frente, até o final de meus dias, com o meu pezinho infantil ainda bem plantado em minhas emoções primordiais. Sem medo de ser feliz! Graças a Deus! Subidas íngremes (fáceis ou difíceis); tapetes sendo puxados violentamente sob os meus pés com asinhas douradas; intermináveis elevadores, panorâmicos; longas estradas (de carro, ônibus, a pé, etc.); escadas infindas (sempre para cima, sim, senhor!; às vezes com dificuldade, outras vezes, com muita facilidade). Sonhos grandiosos! Sim senhor! Realidade comum! Muito trabalho! Pouco dinheiro! Sim senhor! Muita alegria! Tristezas, nunca!, de jeito nenhum! (vou driblando-as pela vida afora). Vida saudável! Muita riqueza interior, sim senhor! Obrigada, meu Deus! Amém!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Transição

(Letra: Wilma de Souza e Alexandre Machado - Música: Alexandre Machado)

Eu quero da vida o agora
Não posso viver só de lembranças
Muito menos de esperanças
Me deixem viver, me deixem amar

A vida da gente é mudança
Volta por volta é que nem uma dança
Eu sinto uma coisa estranha
Me dizem que é insegurança

Não, não consigo entender
Não consigo explicar
O que eu preciso é mudar...

Quero encontrar alguém verdadeiro
Que me compreenda por inteiro
Que saiba me amar
Sem nada cobrar
Que eu ame também sem sentir preconceito
Pois este é meu maior defeito
Estou tão carente
Preciso amar

Não quero perder minha vida a toa
E já perdi muito tempo de tanto pensar
Procurando o caminho que devo tomar
Me sinto cansada
Eu preciso mudar

Ah, quem me dera poder
Ser feliz de uma vez
Mas eu vou ter que aprender
Eu sei eu vou ter que aprender
Que eu preciso mudar

Bate forte no fundo uma dor sufocada
Me sinto sozinha
Não tenho mais nada
Perdoa se um dia eu te fiz sofrer
Mas eu só estava tentando viver