ODISSÉIA MARIA DO FINAL CARNAVALESCO DO SÉCULO XX - 1998 / 1999
NEUZA MACHADO
VIGÉSIMO SEXTO CANTO
... mas, como eu ia contando,
neste Final de Segundo Milênio,
neste Final de Século XX Sem Sal e Sem Pão para os Seis Milhões de “Pobrinhos” do Brasil Varonil Sem Tostão,
o “Pobrinho” Brasileiro não aproveita nada na Terra do Ão,
só os Poucos Muito Ricos e Cheirosos do Brasil Varonil aproveitam tudo o que podem aproveitar, meu Irmão!;
o “Pobrinho” do Brasil,
neste Final de Segundo Milênio Sem Sal
só aproveita o Carnaval, meu Irmão!;
economiza muito só para sair no Carnaval,
e pula e dança a noite toda com muita resistência;
nesses dias, pobres e ricos se irmanam ao som dos batuques, das cuícas e dos tamborins,
e todos dançam e pulam como loucos nas ruas do Brasil Varonil;
as Escolas de Samba desfilam na Avenida Central do Brasil,
na Avenida que é a vida dos Carnavalescos do Rio de Janeiro Servil,
e a dança mais popular do Brasil invade os salões e as ruas e as boates e os clubes,
e as moças e moços requebram e dançam ao som das cuícas e bumbos estridentes das baterias carnavalescas,
elas tocam três dias seguidos sem parar,
é um espectáculo pagão de rara beleza,
a música carnavalesca nas ruas do Rio de Janeiro Altaneiro,
o céu abraça a terra iluminada e as luzes se encontram,
as luzes das estrelas do céu e das estrelas da terra,
jovens se fantasiam para o Grande Carnaval Sem-Igual,
e sambam e dançam até o Sol Apolíneo raiar,
às vezes não param, emendam o dia com a noite,
são três dias de festa e orgias sem fim,
as bebidas alucinógenas dos deuses pagãos enchem os copos de vidro barato dos Pobres Mortais dos Brasis Desiguais,
muita Desigualdade Social no Brasil Federal deste Final de Segundo Milênio Sem Sal!,
Desigualdade entre os mortais da Terra do Ão,
e a falsa alegria invade os salões e as ruas,
e o Salgueiro Querido dos Foliões Tijucanos do Bloco Carnavalesco Nem Muda Nem Sai de Cima vai desfilar na Avenida Central;
uma Vibrante Troante Escola de Samba do meu Brasil Varonil,
às vésperas do Carnaval de 1999,
a Dita Escola ensaia seus sambas na minha Rua Encantada,
uma rua bacana babélica da Tijuca Sensacional se transforma,
às sextas-feiras altaneiras,
numa Imensa Feira-Mercado à moda medieval,
e essas noites de ensaio não me deixam dormir,
não consigo dormir,
o som é altissonante, barulhento demais;
depois dos ensaios,
nos três dias de carnaval,
o Salgueiro dos foliões tijucanos desfila na Avenida Central do Brasil Varonil,
a Ágora Actual,
neste Carnaval de 1999,
está transbordando de Gente Inflamada,
o Salgueiro desfila eletrizado pra ser Campeão, será Campeão?,
e o céu todo abraça a terra iluminada,
abraça a Terra do Ão, meu Irmão!,
e o Povo Sem Tostão todo esquece os seus insolúveis problemas,
homenageando o poeta popular,
o povo todo, ricos e pobres,
neste Início de 1999, quer morrer no Carnaval,
sambando e cantando, pra esquecer suas dores,
porque somente as alegrias da vida valem lembranças,
e o lá-lá-rá-lá-rá-rá invade os corações com alegria e paixão,
no Rio de Janeiro todo mundo vai cantar e sambar,
o céu abraça a terra iluminada,
quando o Povão Sem Tostão de 1999 quiser morrer,
após um porre titânico,
morrerá feliz,
sambou e cantou e sorriu e chorou;
o bloco saiu com o povo reunido,
brancos e pretos irmanados ao som dos sambas-enredo,
ricos e pobres unidos e esquecidos das diferenças de classe,
a cidade e o morro num grande abraço amigável,
o "pobrinho" do morro beijando a rica mocinha,
aquela moça de boa família que lhe apresentei lá atrás,
páginas de embaralhado tecido verbal,
e saiba Você que todos se unem nos dias de Carnaval no Brasil Federal,
as Escolas de Samba disputam o Grande Campeonato,
a Grande Vencedora neste 1999 levará o Troféu,
a Escola mais linda receberá o prêmio,
a bem fantasiada,
aquela que dançar e cantar com mais entusiasmo e prazer,
receberá aprovação do júri selecto,
por isto, os passistas se esmeram,
os porta-bandeiras das Escolas de Samba rodopiam na Avenida Central do Brasil Federal,
com suas Bellas Fantasias de Príncipes e de Principesas e et cœtera e tal;
cada fantasia mais luxuosa do que a outra,
passam necessidades vitais o Anno inteiro sem sal pra comprar a tal fantasia,
comeram mal pra caramba em 1998,
o dinheiro é escasso,
mas conseguem o dinheiro da fantasia de 1999, sim Senhor!,
se tornam reis e rainhas nas noites de Carnaval Federal,
se tornam famosos nas rodas de samba da Capital,
seus retratos saem nas Revistas da Moda Actual e dos jornais populares,
neste início de 1999, a Televisão Global os eleva ao Patamar da Glória Annual,
se tornam famosos por três dias e nas noites seguintes também,
enquanto durar a euforia,
depois voltam apagados e tristes para a vida diária,
comendo sempre o pão que o diabo amassou,
comendo o pão que o diabo amassou com o rabo,
por três dias foram aclamados e endeusados no Brasil Varonil de 1999;
o Mundo Inteiro virá para o Brasil em 1999,
os Turistas Estrangeiros vêm para o Brasil nos dias em que a Folhinha assinala o Carnaval Sem-Igual,
e os Turistas Estrangeiros invadem o Brasil Federal,
e o turismo brasileiro produz muuuuuuito dinheiro,
só não sabemos neste Final de Segundo Milênio para onde vai o tal dinheiro altaneiro do Carnaval Brasileiro,
o “pobrinho” oprimido neste 1999 vai continuar sem pão,
sonhando por mais um Anno com o Carnaval Glorial,
no Mês de Fevereiro ou Março existe o Carnaval do Brasil,
o Carnaval do Brasil Varonil, meu Amor!,
Festa Antiga e Pagã, agora brasileira,
parece até que o carnaval nasceu no Brasil Varonil,
o Carnaval Dionisíaco é hoje Brasileiro,
o Carnaval de Veneza se misturou com o Semba’Africano e virou Brasileiro,
o Carnaval Antigo da Veneza Antiga,
Carnaval Monumental só mesmo no Brasil Federal,
o melhor Carnaval do Mundo é o Carnaval do Brasil Varonil;
no entanto, nem mesmo o carnaval modifica o Brasil,
por enquanto, neste Início de Anno de 1999,
seremos sempre habitantes do Inglório Terceiro Mundo Rotundo,
não obstante o Carnaval Monumental do Brasil Varonil,
o Maior Espectáculo da Terra é o Carnaval Brasileiro,
muito elogiado no Mundo Rotundo e também no Profundo,
a despeito da violência e das drogas e das orgias pagãs,
Carnaval das brigas de rua e das mortes violentas,
Carnaval bestial muito aplaudido,
a Arena Pós-Moderna é o Carnaval do Brasil dos Muitíssimos Sem-Mil;
todos sabem, tragédias terríveis acontecem no Carnaval Brasileiro,
mesmo assim, os jovens e velhos pulam e dançam as três noites seguidas e os três dias também,
alegrias e dores compõem o Carnaval Federal,
o Carnaval dos pobres é dos ricos também,
as moças de família se despem no Carnaval de 1999,
os moços de família se bestializam no Carnaval de 1999,
as bebidas alcóolicas rolam e rolam e rolam no Carnaval de 1999,
o Povão Sem Tostão todo se embebeda no Carnaval de 1999,
e a Bateria de Músicos Sem Money,
neste Carnaval de 1999,
vai puxando o Cordão de Carnavalescos para esquecer as Derrotas Diárias,
todos dançam e pulam e cantam sem parar,
e os Poucos Muito Ricos semideuses Cheirosos se irmanam com os Pobres Mortais Sudorosos,
os deuses gregos descem do Olimpo Pagão,
e o Indefinido Turista Estrangeiro detecta Febo Apolo fantasiado de Bello Crioulo,
um deus negro descendo do Olimpo-Salgueiro,
mostrando a beleza e esplendor do Homem Brasileiro,
mostrando a Força da Mistura de Raças,
mostrando ao Turista Estrangeiro o que é ser Brasileiro,
mostrando a todos o seu porte altaneiro,
a galhardia de ser Brasileiro, mesmo sem dinheiro,
nesta mistura de raças e religiões,
o Povo Brasilês é uma incrível mistura,
dês que o português aportou per acá, é branco, negro, italiano, chinês;
no Sul do Brasil a origem é alemã,
os italianos também se aclimataram legal,
e os japoneses vieram plantar tomate no Brasil de Cabral,
e por todos os lados se veem olhinhos amendoados,
são Brasileiros Com Muito Prazer,
orgulhosos de sua Terra Natal Brasileira Legal,
jamais voltarão para seus países de origem,
onde nasceram seus avós,
pra cá emigraram,
todos os Estrangeiros Altaneiros amam o nosso Brasil Sem-Dinheiro,
não obstante a pobreza geral deste 1999 sem sal,
todo Comerciante Estrangeiro, morador de acá,
neste Início de Anno de 1999,
quer ser brasileiro...