Quer se comunicar com a gente? Entre em contato pelo e-mail neumac@oi.com.br. E aproveite para visitar nossos outros blogs, o "Neuza Machado 2", Caffe com Litteratura e o Neuza Machado - Letras, onde colocamos diversos estudos literários, ensaios e textos, escritos com o entusiasmo e o carinho de quem ama literatura.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - OBSCURA ERA CRUEL DOS OITENTA MILHÕES SEM FARNEL - 6


A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - OBSCURA ERA CRUEL DOS OITENTA MILHÕES SEM FARNEL - 6

NEUZA MACHADO

Por meio de escrita lenta,
revelando o Espectral

– o de Vida Desgrenhenta,
o Brasileiro Braçal -,

a que narra, agora enfrenta
“Demanda” Vei-Temporal:
recontar a Virulenta
Realidade Frontal,
do Princípio dos Quarenta
ao Dois Mil e Dois Final
de uma Era Violenta,
guerreira, muito bructal,

a Vida Dura e Visguenta
de um Povo em Crise Abismal,
sem dinheiro e vestimenta
para um Viver Menos Mal,
pois, desde o Dicto Quarenta
ao Dois Mil e Dois Amoral,
a Tormenta Torturenta
da Pobreza Sem-Igual
atacava, Violenta,
o Pobrinho-Marginal
(à margem da Vida Benta
somente p’ro Fidalgal),
com a Fome Fraudulenta,
Abusiva e Imoral,
uma Fome Turbulenta
levavando-o à Morte Factal.

O Eixeco desta Ementa
é para um Trovar Neo-Graal
sobre a Vida Desgracenta
do Esfaimado Braçal,
Aquelle sem Vestimenta
e sem Salário Legal,
e sem a Protecção Isenta
do Mandante Oficial
daqueles Annos Noventa
da Veira Folhinh’Astral,
e para Tal Siira Lenta,
nesta Contenda Graal,
a que narra agora intenta
um Contar Alavancal
pra narrar a Vei-Tormenta,
em meio ao Caos Social,
dos Milhões que, no Noventa,
passavam Fome Lectal.
Noventa da Era Sangrenta,
pior que a Medieval.

sábado, 29 de outubro de 2011

A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - OBSCURA ERA TREVAL NA TRANSIÇÃO CONJUNTURAL - 5


A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - OBSCURA ERA TREVAL NA TRANSIÇÃO CONJUNTURAL - 5

NEUZA MACHADO

Nos idos que lá se vão,
no Dezenove Final
da Moderna Convenção
de um viver Não-Social,
o Brasil, na contra-mão
do Progresso Maquinal,
vivia da Escravidão,
em retrospecto vital.

Foi então que apareceu
a Princesa Genial
e com u’a vera grandeza,
por certo!, meio anormal,
– pois o rico, com certeza!,
em seu viver especial,
não avalia a tristeza
de quem sofre o grande mal
de não ter comida à mesa
pra ter saúde normal –
a dicta cuja Princesa,
a Isabel Senhorial,
filha de Sua Alteza,
o Pedro Segundo Legal
oriundo da nobreza
provinda de Portugal,
em sua gran realeza,
com toda pompa real,
num gesto de gran justeza,
libertou o Espectral
da Escravidão-Malvadeza
no Dezenove Final.

Mas, o gesto cordial
da Princesa, no seguinte
século, muito imoral!,
o dicto século vinte
de um Milênio Anormal,
o Segundo, do Acinte
de Guerrona Universal,
só na História ficou,
distinguindo a Imperial:
e o Pobrim continuou
a viver Inferno Astral;
no Brasil, nada mudou
para o Pobre Espectral,
pois a escravidão se firmou,
quomodo fosse normal,
norma que o Rico impostou
no Cartório Principal
onde o Primeiro assinou
as regras do Capital,
tomando de quem suou,
capinando vei-roçal,
tudo o que lhe restou
de dignidade e moral,
pagando a quem labutou
co’um ordenado banal.

No princípio sem ação
Do Vinte, sec’lo infernal
da Moderna Convenção
de um viver Não-Social,
o Brasil, na contra-mão
do Progresso Maquinal,
rectomou o diapasão
d’uma Era Mui Treval
– o mesmo Velho Padrão
de trabalho artesanal –,
em que Fazendeiro-Patrão
de Nova Era Abismal,
de Mestiça Geração,
mas, com poder anormal
pra continuar Sinhozão,
tinha Lavrador Braçal,
em cada Canto do Sertão
do Gran-Brasil, Gran-Terral,
onde impunha a Larga Mão
do Comandar Regional,
submetendo o Povão
e sua Prole Espectral
co’um soldo-escravidão
preso no Armazém Geral
(propriedade do Mandão,
o Sinhôzão Principal),
o soldo da refeição
da necessidade vital
para a rala mastigação,
o arroz bichado e o sal,
um punhado de feijão
e o cafezim matinal,
e nada de tropicão
– nada de carne com sal
e manteiguinha com pão
na refeição trivial
do Pobrezinho Peão,
a trabalhar por jornal.

(Carne de porco-capão
de saborzim sem-igual,
só na mesa do Chefão,
o Escravocrata Letal,
o dicto cujo Senhorzão
da Escravidão Serviçal).

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - A CAMELOTE BRASILEIRA DO FINAL DO SÉCULO PASSADO - 4


A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - A CAMELOTE BRASILEIRA DO FINAL DO SÉCULO PASSADO - 4

NEUZA MACHADO

Na Antiga Camelote
do meu País Sem-Igual,
de nome raro – Brasília,
do Brasil a Capital –,
muitos Jaians – em magote –
dominavam o Espectral
– sem comida, sem mobília –,
o Povinho Fantasmal,
a caminhar sempre em lote,
sem um destino final
que o tirasse da miséria
de um viver com pouco sal,
a trabalhar por rala féria
sem valor comercial,
que mal dava p’ra despesa
do despender semanal,

enquanto a Alta Realeza
manjava Manjar Real
– picadinho de nobreza,
de Cozinha Imperial,
filet-mignon, com certeza!,
para o Jaião Principal,
pois a Corte – à francesa –,
da bendita Capital,
no Vinte – da Gran Pobreza
do Brasileirinho Banal –,
nadava em luxo e esperteza,
sem ligar pro’Espectral
– o Tal da Vera Pobreza,
uma pobrez’anormal –,
em meio à Larga Riqueza
de um Gran Brasil Colossal.

Agora, um Excurso Legal
para entender os mosaicos
deste Cordel Neo-Graal:
Os paralogens arcaicos
exigem atenção total,
pois, levemente prosaicos,
neste “Lictígio Actual”,
à moda dos escritos laicos
da Era Medieval,
revelam o Gran Demando
de um Povo que, ao Final
de um Domínio mui nefando
de Língua Não-Nacional
– um linguajar estrangeiro,
altivo, Senhorial,
no Vinte, muito guerreiro!,
Séc’lo de Guerra Viral –,
a Portuguesa apagando
do Compêndio Brasileiro,
– o Linguajar do Comando
de proprietário encrenqueiro –,
a colonizar, comandando!,
a Mente do Sem-Dinheiro,
Colônia Mental actuando
no Escolar Sem-Roteiro.

Portanto, neste Eixecal
Rectomando o Tramareiro,
para um “Demandar Legal”
nas Aras do Mundo Inteiro
– a nossa Aldeia Global –,
a que narra resolveu
visitar o Vei-Glossário
de um Cantarzão de Museu
– as Musas do Dicionário
em Festival Himeneu
com um Vei-Vocabulário
pra’um Neo-Povão Altaneiro –,
recompondo o Original,
com a força do Verbo dado
por Navegador Cordial,
dinâmico, aventureiro,
provindo de Portugal,
um Linguajar Muito Amado
pelo Vero Brasileiro,
descendente, já provado
por DNA Verdadeiro,
de Pedro Álvares Cabral,
o “Chefe Enéias Primeiro”
da “Brasileida” Imortal
do Português Pioneiro.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - 3


A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - 3

NEUZA MACHADO

Nesta “Demanda Actual”,
Do Terceiro – Vinte e Um –,
Do “Sancto Graal Nacional”,
– Futura Copa Incomum –,
A Que Narra, Cantará,
Com Engenho e Muit’Ação,
A Vidinha ao Deus-Dará
Da Pobre População
De Um País Abençoado
Com Fartura Em Profusão,
Que Em Passado Atrasado
– Não Esquecido, Isto Não! –,
Em Que Um Povo, Assinalado
Pra Ter Sustento Em Montão,

Vivia Desmotivado,
Com Doença e Sem Acção,
Vivendo Vida Cruenta
– O Meu Brasileiro-Povão –,

lá no final dos noventa
do Vinte Sem-Condução,
com o bolsinho vazado,
a trabalhar por tostão,
comendo o pão amassado,
com o Rabo do Tinhão,
feito com trigo mofado,
replecto de podridão.

E quando não tinha nada
no fogão do meu Povão
pra nutrir a criançada
com boa sustentação,
a família azarada,
sem nenhuma condição,
sem empreguinho, sem nada,
em magoada arribação,
saía pela Cidade
com o pratinho na mão,
implorando caridade
pra os que tinham coração.

Quando o Terceiro chegou,
o Século da Salvação,
a vida do pobre mudou,
graças à Nova Eleição,
– uma Eleição!, com efeito! –,
e o Brasil então ganhou
vida nova, gran respeito,
muita consideração
por parte do Mundo Veiro
que perdia seu Milhão,
pois enquanto o Estrangeiro
guiava na Contra-Mão
o seu progresso financeiro,
perdendo a direção
de como ganhar dinheiro
sem cuidar do seu povão,
o nosso Gran Brasileiro,
o Luís, revelação
de um Guia Bom-Timoneiro
para a Brasileira-Nação,
com a força de quem sofreu
no Passado privação,
a Gran Tormenta venceu,
sacudiu a inação
que fazia o Brasileiro
aceitar a escravidão,
submisso ao Estrangeiro
que era o Grande Patrão.

E tudo aqui melhorou!
Com a Moral mais elevada,
o Brasileiro ganhou
a nutrição desejada
– aquele muito pobrinho
que saía pela estrada
com a Família em desalinho
pedindo boa pousada,
muita bondade e empreguinho,
à Elite Endinheirada.

Mas a “Demanda Actual”
não pode agora parar,
a “Demanda Nacional”
precisa muito lutar,
ainda há pobres sofrendo,
a viver ao deus-dará,
muitas pessoas morrendo
sem o Nutritivo Maná.

E o rico, aqui da Parada
(as Revistas e os Jornais),
a reclamar, de lufada!,
como nunca se viu!, jamais!,
da Bolsa-Família dada
ao brasileirinho sem-eira,
um dinheirinho de nada,
que muito ajuda na Feira,
uma Bolsa abençoada,
uma ajuda hospitaleira,
uma bem-vinda guinada
em nossa Rota Brasileira,
que custa menos que os “Quilates”
doados, pelo Rico Milhardeiro,
aos “Uisqueiros” das Boates
das Cidades do Estrangeiro.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - O SIGNIFICADO DA PALAVRA "ACTUAL" - 2


A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - O SIGNIFICADO DA PALAVRA “ACTUAL” - 2

NEUZA MACHADO


O “Actual” Desta “Demanda”,
À Moda Colonial,
Foge à Regra Que Comanda
A Nossa Norma Atual,
Que Rectira o Que Excede
De Um Narrar Dicto Normal,
Pois Todo Falar Procede
De Seu Meio Social.

E o Falar do Brasileiro,
Neste Terceiro Global,
É Um Falar Milongueiro,
Diferente, Musical,
O Linguaragem de Acá,
– O Meu Falar Nacional –
Não é o Mesmo de Lá,
O Português de Portugal.

Mas, a Minha Neo-“Demanda”,
Requer Um Diferencial,
Pois é Uma Causa-Ciranda
Neste Meu Brasil Actual,
“Demanda” de Pobre Desanda
Em Revista e em Jornal,
A Imprensa Não Dá “Anda”
Para o Pobre Espectral.

E Se For Um Neo-Narrado,
E Não Intrigar o Leitor,
Não Será Valorizado
Por Analista-Doctor,
Quem “Demanda” Para Pobre,
Costuma Perder o Valor,
Lutar Contra Gente Esnobe,
“Demanda” Muito Suor.

Que o Diga o Nosso Nobre
Presidente Não-Doutor,
Por Mais Que Ele Se Desdobre
Para Fazer o Melhor,
Distinguindo o Rico e o Pobre
Deste Brasil Multi-Cor,
Com Palavra de Mor-Dobre,
Nos “Pleitos” do Exterior,
A Imprensa Daqui Encobre
O Seu Devido Valor.

Por Isto, Esta “Demanda”,
“Demanda” Um Diferencial,
Por Meio de Veneranda
Formatação Sem-Igual,
“Demandando” Vei-Linguagem
De Um Passado Imortal,
Provinda da Grã Viagem
De Pedro Álvares Cabral.

Esta Minha Neo-Varanda
Pretensamente Original,
Esta Vera Neo-“Demanda”
Do “Actual” de Meu Jogral,
Luta Por Quem Não Tem “Anda”
Para Uma “Demanda” Legal.

Aqui, Ainda Há Pobres Sem Lar,
E Há Muuuitos no Exterior,
E São Poucos a Lutar
Para Tirá-los do Horror,
É Preciso “Trovejar”
– O Cônscio Neo-Trovador –,
É Preciso “Demandar”
Para Quem Aspira a Ter Valor
E Não Tem Voz de Troar
Em Távola de Imperador.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - O SIGNIFICADO DA PALAVRA "DEMANDA" - 1


A DEMANDA ACTUAL DO SANCTO GRAAL NACIONAL - O SIGNIFICADO DA PALAVRA “DEMANDA” - 1

NEUZA MACHADO

“Demanda” Quer Dizer “Processo”,
Pode Ser “Causa” ou “Questão”,
“Litígio” (Contra Quem é Avesso
Aos “Desmandos” Sem-Razão).

“Demanda” Quer Dizer “Pleito”,
Pode Ser Muita “Intenção”
De Prejudicar o Grã-Sujeito
Que Só Quer o Bem da Nação.

Toda “Demanda” Tem Preço,
Pois é Um “Serviço” a Prestar,
“Demanda” de Rico é Um Excesso
De Dinheiro a Ré-Contar.

Se Toda “Demanda” Tem Preço
Pois é Um “Serviço” a Prestar,
“Demanda” de Pobre é Um Excesso
De Contas Sem-Conta a Pagar.

A “Demanda” do Pobre é Um Calvário
Muuuito Antigo!, Em Meu Lugar,
Uns Poucos Com Altos Salários
Querendo ao Pobre Explorar.

Togado Exigindo Mais Soldo,
Esvoaçando Seu Talar de Marajá,
Pago Por Quem Não Tem Toldo
E Vai Vivendo ao Deus-Dará.

A “Demanda” do Rico é de Um Jeito
Que Não Dá Para Explicar:
Pense Num Grande Eito
Com “Grana” a Multiplicar,

O Rico, Com Grande Efeito,
O Seu Feudo a Comandar,
E o “Pobrezinho Sujeito”,
Na Soleira a Trabalhar,

Sem Ter Sequer o Direito
De “Demanda” a ReClamar,
Com Muita Dor Em Seu Peito
E Um Salário de Amargar.

“Demanda” Agora é Lutar
Por Justiça Social,
Que Permita Equilibrar
A Riqueza Nacional,

Diminuindo a Realeza
Do Rico, e Seu Embornal,
Sua Bolsa de Riqueza,
De Tamanho Colossal.

Riqueza Adquirida
Co'o Trabalho do Povão.
A Grã-Pobreza Sem Vida,
Sem Comida, Sem Tostão.

E o Rico, Aqui da Parada
(As Revistas e os Jornais),
A ReClamar, de Lufada!,
Como Nunca Se Viu!, Jamais!,

Da Bolsa-Família Dada
Ao Brasileirinho Sem-Eira,
Um Dinheirinho de Nada,
Que Muito Ajuda na Feira,

Uma Bolsa Abençoada,
Uma Ajuda Hospitaleira,
Uma Bem-Vinda Guinada
Em Nossa Rota Brasileira.

Que Custa Menos Que os “Quilates”
Doados, Pelo Rico Milhardeiro,
Aos “Uisqueiros” das Boates
Das Cidades do Estrangeiro.

Os Ricos, Todos, Ganhando
Dinheirão-Jabaculeiro,
E, Ainda, ReClamando
Da “Bolsa” do Sem-Dinheiro!

domingo, 16 de outubro de 2011

CECÍLIA MEIRELES E SEU "ROMANCEIRO" PÓS-MODERNO: ROMANCE XXXI OU DE MAIS TROPEIROS


CECÍLIA MEIRELES E SEU “ROMANCEIRO” PÓS-MODERNO: ROMANCE XXXI OU DE MAIS TROPEIROS

NEUZA MACHADO

Hoje, neste meu blog, o canto do Romanceiro de Cecília Meireles, escolhido para ser apresentado aos Leitores-Internautas (que sempre me honram com suas visitas), intenta homenagear os muitos corajosos brasileiros que, assim como Tiradentes (que era um simples Alferes de Cavalaria no final do século XVIII), se empenharam patrioticamente pelo bem-estar socioeconômico da maior parte de nosso povo (aquela maior parte em situação de extrema miséria).

Sempre será válido lembrar, com as mais vivas cores, que, até bem pouco tempo (até ao final do século XX), o Brasil estava comprometido com o FMI, por causa de uma dívida que parecia não ter fim. E que, por orientação expressa desse organismo financeiro, assumia posturas que sobrecarregavam todos os brasileiros com altas taxas e impostos.

Dentro desse contexto de vampirismo feito pelos anteriores submissos governantes de um tenebroso passado, os que mais sofriam eram a classe média (a que realmente pagava os impostos exigidos), uma classe que, sem ter dinheiro suficiente, tentava manter uma aparência de riqueza, e a classe proletária, que não tinha reserva alguma de capital para prevenir-se das oscilações financeiras. Os poucos muito ricos (com seus secretos cofres e com suas contas protegidas em paraísos fiscais), no máximo, diminuíram o número de viagens, mas, apenas, para não ficarem expostos às manchetes. Quanto aos miseráveis brasileirinhos, será que eles sabiam do quê e por quê estavam morrendo?

Para mudar esse quadro no Brasil, somente os historicamente incomodados e resistentes homens do povo, aqueles capazes de tirar leite da pedra, repletos de fé inabalável no futuro (os que lutaram por uma Nação dignificada, hoje, todos bem representados pelo líder sindicalista dos metalúrgicos dos anos oitenta, Luís Inácio Lula da Silva), tiveram a coragem de encarar de baixo para cima o olhar superior do ciclope FMI.

Será que os 80% do povo brasileiro, os que agora reabilitaram suas dignidades, que não precisam mais olhar o porvir com os olhos desesperançosos, irão desistir da busca pela emancipação financeira e se conformarão com o que já foi conquistado?

Sempre consciente de que a arte literária – produzida em qualquer ocasião da história da humanidade – possui força moral para que seus leitores do momento e os do futuro possam refletir sobre os problemas que os incomodam, exponho aqui, neste meu sítio, essa expressiva visão lírica de Cecília Meireles, a respeito da história dos inconfidentes do Brasil-Colônia. Inclusive, reafirmando sempre que a matéria lírica, neste Romanceiro de Cecília Meireles, foi singularmente conformada em uma grande obra epo-lírica (narrativa em versos, apresentando os fenômenos estilísticos próprios do Gênero Épico).


ROMANCE XXXI OU DE MAIS TROPEIROS

Cecília Meireles

Por aqui passava um homem
– e como o povo se ria! –
que reformava este mundo
de cima de montaria.

Tinha um machinho rosilho.
Tinha um machinho castanho.
Dizia: “Não se conhece
país tamanho!”

“Do Caeté a Vila Rica,
tudo ouro e cobre!
O que é nosso vão levando...
E o povo aqui sempre pobre!”

Por aqui passava um homem
– e como o povo se ria! –
que não passava de Alferes
de cavalaria.

“Quando eu voltar – afirmava –
outro haverá que comande.
Tudo isto vai levar volta,
E eu serei grande!”

“Faremos a mesma coisa
que fez a América Inglesa!”
e bradava: “Há de ser nossa
tanta riqueza!”

por aqui passava um homem
– e como o povo se ria –
“Liberdade ainda que tarde”
nos prometia.

E cavalgava o machinho.
E a marcha era tão segura
que uns diziam: “Que coragem!”
E outros: “Que loucura!”

Lá se foi por esses montes,
o homem de olhos espantados,
a derramar esperanças
por todos os lados.

Por aqui passava um homem...
– e como o povo se ria!...
Ele, na frente, falava,
e, atrás, a sorte corria...

Dizem que agora foi preso,
não se sabe onde.
(Por umas cartas entregues
ao Vice-Rei e ao Visconde.)

Pois parecia loucura,
mas era mesmo verdade.
Quem pode ser verdadeiro,
sem que desagrade?

Por aqui passava um homem...
– e como o povo se ria! –
No entanto, à sua passagem,
tudo era como alegria.

Mas ninguém mais se está rindo,
pois talvez ainda aconteça
que ele por aqui não volte,
ou que volte sem cabeça...

(Pobre daquele que sonha
fazer bem – grande ousadia –
quando não passa de Alferes
de Cavalaria!)

Por aqui passava um homem
– e o povo todo se ria.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A HERANÇA (POLÍTICA) DO ONTEM ETERNO OU A DESTRONIZAÇÃO DO PODER


A HERANÇA (POLÍTICA) DO ONTEM ETERNO OU A DESTRONIZAÇÃO DO PODER

NEUZA MACHADO

Nesses dias de infindáveis altercações políticas aqui no Brasil, em que a rica minoria elitista oriunda dos herdeiros da Casa Grande não aceita a ideia de que um operário metalúrgico – que para a infelicidade desta minoria se tornou o Grande Presidente Reformador da Nação – possa ser aclamado e reverenciado no exterior, lembrei-me de um capítulo de minha Dissertação de Mestrado, que muito tem a ver com as ocorrências políticas atuais.

Esta minha Dissertação de Mestrado, sobre a narrativa A Hora e Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, foi escrita no final da década de oitenta, e defendida em março de 1990 na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje, relendo-a, percebo com mais acuidade o poder de raciocínio de nosso incomparável ficcionista sertanejo, no sentido de prever acontecimentos políticos que só seriam efetivados muitos anos depois, nos anos iniciais do Terceiro Milênio.

Peço aos meus leitores que leiam este capítulo, e depois me avisem se algumas semelhanças, dos personagens com alguns ricos políticos opositores do atual Governo agora Popular, poderão ser conceituadas como simples coincidências. Leiam também o conto de Guimarães Rosa (leitura de suma importância para uma produtiva comparação extratexto). A narrativa de Guimarães Rosa, A Hora e Vez de Augusto Matraga, faz parte da Coletânea de contos do livro Sagarana). Vale a pena ler e repensar a “queda” sócio-política do imperioso Nhô Augusto do passado, Senhor das Pindaíbas e do Saco-da-Embira, e de seus ricos descendentes que ainda teimam em se vestir de poderosos, entretanto, no íntimo, bem no íntimo, todos inconformados com a perda do poder do “ontem eterno” e do nome.


A HERANÇA DO "ONTEM ETERNO" OU A DESTRONIZAÇÃO DO PODER

Neuza Machado

Continuando a repensar a questão da “autoridade do ontem eterno”, na narrativa ficcional A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa ― e apropriando-me de algumas assertivas de Max Weber ―, posso inferir que Nhô Augusto herdou um pequeno Império (representação do “ontem eterno”) e, durante algum tempo, nele reinou. Enquanto existiu a sua autoridade política, foi o personagem a representação do poder. Observo isto pela sua atitude superior ao arrematar, no leilão ("de atrás da Igreja"), a Sariema, aquela que era muito amada pelo capiauzinho “enamorado”, capanga do major Consilva.

O povo (ainda submisso às leis patriarcais) evidentemente aplaudiu e glorificou a atitude do poderoso Nhô Augusto.

O poder e prestígio do personagem, até ali, continuavam inalterados. Mas, havia um outro personagem ambicionando sua posição privilegiada e procurando as brechas para derrubá-lo: o major Consilva, “velho” inimigo político da família Esteves.

Recorde o Leitor a resposta de Nhô Augusto, quando o Quim Recadeiro (o Mensageiro dos poderosos) retornou dizendo que o major havia “comprado” os bate-paus: “Major de borra! Só de pique, porque era inimigo do meu pai” (A Hora e Vez de Augusto Matraga)

O major procurou e encontrou um meio de desmoralizá-lo. Sinal de que o dito poder do “ontem eterno” não estava bem edificado e ameaçava ruir: bebidas, mulheres, pancadarias, jogos, dívidas; tudo isto proporcionava a sua decadência.

O poder social do personagem se encontrava ameaçado por um inimigo mais perigoso que o major Consilva: o contra-poder econômico da decadência do sertão. Ora, se aquele Senhor poderoso e, principalmente, chefe comunitário respeitado estava prestes a perder tudo o que possuía (família, terras), era natural que outro reivindicasse sua glória e prestígio.

O narrador roseano em princípio impõe-se e impõe-nos visualizar a figura imponente de Nhô Augusto, mas logo depois do leilão ("de atrás da Igreja") mostra que ele está a poucos passos da decadência.

As sucessivas transformações narrativas, ao longo da análise esclarecedora, são significantes dos vários estágios de vida estacionados no espaço do sertão mineiro-brasileiro, sobrepondo-se infinitamente, imunes à ação do tempo.

O narrador ficcional do século XX conseguiu apreender essas sutilezas, subjacentes em um lugar ainda meio medieval onde as Idades do Mundo se confundem e se completam. O narrador interativo do século XX apreendeu as várias etapas do tempo, entrelaçando-se e rejeitando-se, mas prestes a se anularem, graças à fragmentação do mundo moderno. Etapas de tempo que se sobrepuseram, se eternizaram e se eternizarão, enquanto houver um relator que as conte por intermédio da memória ― ou através da recordação ― e um ouvinte que compactue com seu ato de narrar.

A queda do personagem Nhô Augusto e suas etapas de vida representam as transformações de uma determinada burguesia, ainda meio agrária, que se acomodou nos pequenos vilarejos do sertão de Minas Gerais, desde os anos finais do século XVIII. Sabemos hoje que já não há Senhores-de-terra poderosos, mas as grandes famílias que comandavam politicamente essas localidades ainda permanecem dominando (ou insistem em permanecer dominando), engajadas em partidos políticos conservadores e alardeando suas origens. Os atos de heroísmo ou covardia infelizmente são fatos do passado e quase não há narradores para relembrá-los.

Por este prisma confirmo que, nesta narrativa especialmente, o narrador de Guimarães Rosa apresenta o momento de crise vivido por seu personagem Nhô Augusto, um “herdeiro do ontem eterno” brasileiro, em acordo com a crise sócio-econômica que ocorreu no Brasil do século passado, principalmente na sociedade agrária sertaneja a partir dos anos trinta do século XX. O inevitável impasse, as mudanças existenciais do personagem e a própria transformação discursiva do narrador roseano representaram e representam, inclusive, a mudança de poder político que ocorreu no Brasil, com a ascensão daqueles que antes eram considerados subalternos; ainda: o contra-poder (representado pelo povão desvalido) se transformando em poder de fato.

“Quando chega o dia da casa cair — que, com ou sem terremoto, é um dia de chegada infalível — o dono pode estar: de dentro, ou de fora. É melhor de fora! E é a só coisa que um qualquer-um está no poder de fazer. Mesmo estando de dentro, mais vale todo vestido e perto da rua. Mas, Nhô Augusto, não: estava deitado na cama — o pior lugar que há, para se receber uma surpresa má” (conferir a citação em A Hora e Vez de Augusto Matraga)

O major Consilva (ainda um personagem representativo do poder patriarcal), personificação do contra-poder que aspira ao poder, em A Hora e Vez de Augusto Matraga, narrativa ficcional escrita por Guimarães Rosa em meados do século XX, “conquista”, por meio de pagamento em dinheiro, os capangas escravizados de Nhô Augusto (aqueles que não conheciam sequer a cor do dinheiro e muito menos o que queria dizer a palavra “salário”). O poder do herói sertanejo pré-capitalista do século XX, enquanto um herdeiro do “ontem eterno”, ruíra.

“Quando chega o dia da casa cair — que, com ou sem terremoto, é um dia de chegada infalível — o dono pode estar: de dentro, ou de fora. É melhor de fora! E é a só coisa que um qualquer-um está no poder de fazer. Mesmo estando de dentro, mais vale todo vestido e perto da rua. Mas, Nhô Augusto, não: estava deitado na cama — o pior lugar que há, para se receber uma surpresa má” (Guimarães Rosa, A Hora e Vez de Augusto Matraga)

Reavaliando o que foi afirmado anteriormente (sobre a narrativa ficcional A Hora e Vez de Augusto Matraga, de autoria do escritor mineiro Guimarães Rosa):

Teríamos, neste trecho, a imagem de um momento de transição do Brasil? No espaço sócio-substancial do sertão de Minas Gerais várias etapas do Brasil Agrário se sobrepõem alheias à ação do tempo. Este trecho, significante de mudança narrativa, representa os “valores de uso” (a submissão primitiva do povo a um Senhor-de-terra) estando em vias de sofrer uma profunda transformação; ao mesmo tempo, representa os “valores de troca” mediatizados pelo dinheiro, valores estes que comandam o mundo burguês.

É interessante observar os motivos da debandada dos “bate-paus”. Se enquanto possuiu recursos e meios para ser um homem poderoso Nhô Augusto mandava e desmandava em seus subordinados (a arraia-miúda do Brasil do século XX), agora que se encontrava pobre não necessitava mais ser obedecido. Um outro poder — contra-poder (atenção: ainda um contra-poder vinculado a valores patriarcais) — estava a caminho e os “bate-paus” aceitaram mudar de comando.

Aqui entra um problema sério: o das classes sociais.

Na definição de Weber, hoje considerada reacionária (mas que diz a verdade sobre o ficcional), as classes sociais

“(...) não são comunidades; representam simplesmente bases possíveis, e frequentes, de ação comunal. Podemos falar de uma classe quando: 1) certo número de pessoas tem em comum um componente causal específico em suas oportunidades de vida, e na medida em que 2) esse componente é representado exclusivamente pelos interesses econômicos da posse de bens e oportunidades de renda, e 3) é representado sob as condições de mercado de produto ou mercado de trabalho” (Max Weber).

Quando Nhô Augusto mandou o Quim Recadeiro (o Mensageiro) chamar os “bate-paus” (seus subordinados), ainda não sabia que o major Consilva os “comprara” com uma melhor oferta de pagamento. Esquecera-se que andava mal de vida e que há muito tempo já não pagava o ordenado de seus homens de confiança. A obediência perde o sentido quando o homem perde o poder.

Vejamos o trecho:

“Dali a pouco, porém, tornava o Quim, com nova desolação: os bate-paus não vinham... Não queriam ficar mais com Nhô Augusto... O major Consilva tinha ajustado, um e mais um, os quatro, para seus capangas, pagando bem. Não vinham mesmo. O mais merecido, o cabeça, até mandara dizer, faltando ao respeito:

— Fala com Nhô Augusto que sol de cima é dinheiro!... pra ele pagar o que está nos devendo... E é mandar por portador calado, que nós não podemos escutar prosa de outro, que seu major disse que não quer” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).


Eis aqui a inevitável “dinâmica do poder” com suas competições e pretensões assinaladas por Max Weber e já mencionadas anteriormente.

Para o narrador roseano de meados do século XX o major Consilva (é importante não confundir o poder do major com o poder provindo do próprio povo; ainda um major Consilva como personagem representante de uma outra face permanente do poder patriarcal) representa a certeza de que o sertão, enquanto espaço exterior aos conflitos do mundo, com suas superposições sociais e temporais ímpares, permanecerá intocável resistindo às investidas degradantes da sociedade moderna. Enquanto esse espaço exterior for captado por um olhar solitário e reconhecido como espaço sócio-substancial onde se ancora a tradição de um povo, este mesmo narrador sertanejo do século XX terá a certeza de que seu mundo de origem não se extinguiu. Apenas, em termos de narrativa ficcional, esse espaço ficará para trás, encubado como certas plantas que “dormem” sob a terra, retornando à vida de tempos em tempos.

As etapas de vida do personagem Nhô Augusto (um ex-poderoso), as etapas de discurso-vida do narrador, as etapas do mundo burguês sertanejo em aceleradas transformações necessitam ser significadas. Todos os envolvidos na narrativa (inclusive o major Consilva e o próprio narrador), não apenas Nhô Augusto, sentem o momento da perda de poder, percebem o momento da perda de valores arraigados, pressentem as mudanças existenciais.

O significante nuclear desse momento no âmbito da ficção é a “surra” aplicada no personagem. Nhô Augusto apanhou e todos apanharam: o narrador, a sociedade burguesa sertaneja, o leitor, que também compactuou e se apoderou da matéria do narrador e do infortúnio do personagem como se fosse sua desgraça que estivesse sendo narrada. Assim, um Nhô Augusto da estória de Guimarães Rosa como um personagem sem dúvida representante da burguesia; um narrador burguês do século XX; um leitor burguês do século XX; todos sentindo a vingança do mais fraco (dos bate-paus que bateram para valer), o mais fraco daquele histórico momento de meados do século XX; uma vingança aquela temporária, pois foi mediatizada por outro poder político (o poder do Major Consilva, um poder secular ainda patriarcal), para desforrarar-se de quem o ofendeu.

Nhô Augusto apanhou de seus próprios “bate-paus” de confiança, assessorados pelo capiauzinho apaixonado de Sariema (estão lembrados dele?, do capiauzinho de testa curta empregado do major Consilva?). Nhô Augusto foi marcado como rês; não teve tempo de se vingar do abandono da Dionóra. Nhô Augusto fora à chácara do major confiando em seu anterior poder de mando e se esquecera que esse poder residia exatamente naqueles quatro “bate-paus” desmerecidos por ele, os quais agora obedeciam ao major Consilva (seu rico inimigo, só para ver quem pode mais, quem tem mais poder). Entretanto (os dois poderosos ainda não sabiam!), era a hora do início, do princípio da vingança do povo mais fraco.

Assim, hoje, se encontra o rico herdeiro sertanejo “sem-terra” política (sem o antigo poder de mando imediato), descendente por via histórica de algum grande senhor do sertão brasileiro. Sabe-se vinculado pelo nome ― que traz como uma marca ― a uma dinastia de desbravadores de terra (com nomes ilustres), mas se pergunta por que estas “terras” políticas (o poder de mando imediato) já não são suas? Estas “terras” (as novidades que transformam) agora pertencem a famílias que outrora foram subordinadas de seus antepassados (e que se fazem conhecer por novos e incomuns apelidos). Algum “Nhô Augusto Matraga”, por certo muito imprudente, perdeu-as (bebendo, jogando, trapaceando, impondo-se deslealmente, ridicularizando os seus próprios bate-paus).

MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6.


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CECÍLIA MEIRELES E SEU "ROMANCEIRO" PÓS-MODERNO: ROMANCE LXXXI OU DOS ILUSTRES ASSASSINOS


CECÍLIA MEIRELES E SEU “ROMANCEIRO” PÓS-MODERNO: ROMANCE LXXXI OU DOS ILUSTRES ASSASSINOS

NEUZA MACHADO

Nossos olhos críticos fazem, agora, o julgamento dos assassinos dos inconfidentes, cumprindo o vaticínio da poetisa “e, sobre vós, de longe, abrem grandes olhos pensativos”. Para esse julgamento, para abrirmos nossos “grandes olhos pensativos”, não nos bastará conhecer a versão oficial da história daqueles anos do final do século XVIII, será necessário interagirmos reflexivamente com o contexto que impulsionou as ações dos personagens históricos, literariamente revividos pela força anímica das imagens poéticas. Lendo o Romanceiro da Inconfidência, mas conscientemente respaldados por nosso imaginário-em-aberto, somos transportados àquele instante, para ajuizadamente fazermos nossa própria avaliação transtemporal.

E a reflexão histórico-poética projetada pelo Romanceiro de Cecília Meireles servirá para aprofundar o entendimento sobre o que ocorre hoje no Brasil, no que diz respeito à ascensão sócio-econômica da maioria de sua população anteriormente considerada de baixíssimo nível social, uma população que até há pouco tempo se encontrava em situação de extrema pobreza. Infelizmente, a idéia de repartir o pão fraternalmente, neste nosso país tão vasto e tão repleto de riquezas naturais, é algo que gera descontentamento nas classes ditas abastadas. As riquezas de nosso solo ainda são disputadas pela minoria mais endinheirada de nossa sociedade. De qualquer maneira, para a minha satisfação e gáudio, essa minoria pode até ser mais rica do que a de outrora, mas, graças aos Céus!, não é mais tão poderosa como antes. O poder inquestionável do passado existia porque o povo não conhecia a sua própria força para mudar os rumos da história. A atual perspectiva sócio-econômica instaurada pelo Presidente Metalúrgico possibilitou uma nova identidade para o povo, uma identidade coesa e consciente, capaz de agir para o bem da COMUM-UNIDADE.

Aos internautas conscientes, peço que leiam o ROMANCE LXXXI OU DOS ILUSTRES ASSASSINOS, da autoria de nossa grande poetisa Cecília Meireles, para que julguem com seus próprios meios interpretativos a sanha dos assassinos dos inconfidentes, e para que façam uma comparação criteriosa entre o momento passado e o momento presente.


ROMANCE LXXXI OU DOS ILUSTRES ASSASSINOS

Cecília Meireles

Ó grandes oportunistas,
sobre o papel debruçados,
que calculais mundo e vida
em contos, doblas, cruzados,
que traçais vastas rubricas
e sinais entrelaçados,
com altas penas esguias
embebidas em pecados!

Ó personagens solenes
que arrastais os apelidos
como pavões auriverdes
seus rutilantes vestidos,
– todo esse poder que tendes
confunde os vossos sentidos:
a glória, que amais, é desses
que por vós são perseguidos.

Levantai-vos dessas mesas,
saí de vossas molduras,
vede que masmorras negras,
que fortalezas seguras,
que duro peso de algemas,
que profundas sepulturas
nascidas de vossas penas,
de vossas assinaturas.

Considerai no mistério
dos humanos desatinos,
e no polo sempre incerto
dos homens e dos destinos!
Por sentenças, por decretos,
pareceríeis divinos:
e hoje sois, no tempo eterno,
como ilustres assassinos.

Ó soberbos titulares,
tão desdenhosos e altivos!
Por fictícia austeridade,
vãs razões, falsos motivos,
inutilmente matastes:
– vossos mortos são mais vivos;
e, sobre vós, de longe, abrem
grandes olhos pensativos.

domingo, 9 de outubro de 2011

SOBRE O APAGÃO DE 2001 - EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO


SOBRE O APAGÃO DE 2001 - EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO

NEUZA MACHADO

Esta minha Epístola aos Homens do Futuro foi escrita em:

14 DE OUTUBRO DE 2001 - EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO - 4

NEUZA MACHADO

(Para o Brasileiro Consciente do Brasil-País do Futuro lembrar-se sempre que existiu um Brasil-Tristes Trópicos até o final do Século XX)

Caros Amigos do Brasil do Futuro Glorioso, sexta-feira passada ― 12 de Outubro de 2001 ― foi feriado nacional no Brasil Varonil. Comemoramos o dia dedicado à protectora dos brasileses, Nossa Senhora Aparecida, e também o Dia das Crianças. Amanhã será um feriado (15 de Outubro de 2001) para a maior parte da população. Os Comerciários Batalhadores e os Professores Sofressores deste anno de 2001 irão descansar, afastando-se de suas labutas diárias.

Como o feriado em honra da padroeira, neste anno de 2001, caiu em uma sexta-feira, e o outro será comemorado amanhã, uma segunda-feira (lembre-se: estou a escrever esta cartinha para os brasileiros do futuro em um dia de domingo - 14-10-2001), uns poucos “privilegiados” estão, hoje, em casa, de papoproar, “felizes”, “contentes”, ouvindo música, ou assistindo televisão, ou conversando abobrinhas na sala de bater-papo da Máquina Internet (atenção: somente os poucos brasileses que têm Internet nesta anno de 2001). Outros foram viajar (para gastar o pouco dinheiro de seus salários), foram passear com a família, enfrentando o terrível engarrafamento do trânsito, desejosos do ar puro do campo ou do ar puro das regiões banhadas pelo mar. Esses só voltarão para seus lares e o trabalho duro diário amanhã, já no final do dia, enfrentando, novamente, o engarrafamento do trânsito, um problemão sem solução de nossa realidade brasilesa caótica. Outros foram assistir aos filmes estrangeiros (de outros países com seus heróis poderosos) nos cinemas de suas Cidades. Hoje, um domingo, 14 de Outubro de 2001, com certeza, muitos estarão enfrentando filas imensas, pagando caro pelas entradas (gastando o salário recebido, pois não adianta muito economizar), só para se entreterem com as tragédias e as comédias dos povos poderosos do mundo (esquecidos das próprias tragédias cotidianas). Os brasileses, todos oriundos do Final do já Passado Segundo Milênio, adooooooram (e muuuuuuito!) os filmes norte-americanos, principalmente os mais jovens, aqueles filmes norte-americanos, replectos de ação e emoção e glorioso poder.

Ainda, em relação ao longo feriado, de 12 de Outubro a 15 de Outubro de 2001 ― quatro dias de folga para a maior parte dos trabalhadores batalhadores ―, quero que saibam o motivo de tal “privilégio”. O Brasil está enfrentando a pior seca de sua história e, submetidos a uma exigência governamental (governo do FHC, Ooooooito Annos Governando o Brasil!), os brasileses estão economizando, deeeeeesde o mês de junho!, energia elétrica (não se esqueçam disso aí no Futuro Brasileiro de Vocês!). Neste mês de outubro de 2001, há uma quota de energia disponível para cada residência e os pobrezinhos consumidores (ou consumidores pobrezinhos) não poderão, em hipótese alguma, extrapolá-la.

Os muuuuuuitos brasileses, muuuuuuito pobres!, estão rezando, e eu também estou rezando muuuuuuito, a Deus Nosso Senhor, todos os dias, pedindo-Lhe que nos envie muuuuuuita chuva. Neste anno de 2001, nós os brasileses conscientes, precisamos de chuva benfazeja para lavar nossas mágoas políticas e nossas almas. As águas dos rios, represadas, sustentam as Grandes Usinas Elétricas do Brasil Varonil. Assim, o longo feriadão deste anno de 2001, segundo fontes governamentais da Capital-Corte de Brasília (são notícias provenientes da Corte), proporcionará uma graaaaaande economia de luz elétrica (para os muuuuuuito ricos, muito dinheiro mesmo; pois os pobrezinhos brasileirinhos, miudinhos e esfomeadinhos, neste anno de 2001, infelizmente, já vivem no escuro há muito tempo!).

Ainda em relação ao feriadão deste mês de Outubro de 2001, na verdade, o dia dedicado aos Comerciários e Balconistas é o dia 30 de outubro. A data foi antecipada por motivo de economia (os pobres economizam para os ricos). Quanto aos professores, se bem me lembro, sempre trabalharam no dia 15 de Outubro. Amanhã, ficarão em casa... trabalhando... quero dizer, corrigindo provas, preparando aulas, aproveitando o tempo disponível para escreverem suas memórias, ou arrumando a casa, ou jogando a metade da papelada, comprada com o suor do próprio rosto ― acumulada em vários anos de trabalho mal remunerado ―, no lixo, et cœtera.

Por falar em professores, estes são os mais desprestigiados deste meu tempo de 2001. Espero que, aí no Futuro Sem-Muro do Brasil Varonil, os pobres sofressores sejam mais prestigiados. Não vou comentar os graus do desprestígio. Se vocês quiserem conhecer as desventuras dos professores, do Final do Século Vinte e Início do Século Vinte e Um, Anno 2001, façam pesquisas (por favor!), busquem na História (que esta seja idônea), leiam as narrativas ficcionais dos grandes escritores (estes falam verdades que a Imprensa Partidária Brasileira não ousa publicar), enfim, vasculhem o Passado do Brasil Varonil, e, com toda certeza!, Vocês aí do Futuro Sem-Muro encontrarão os vestígios de tal decadência. Só posso adiantar-lhes que, actualmente, neste anno de 2001, por aqui, os Bobos da Corte são os Professores. Aí, no Futuro do Brasil Glorioso, Vocês poderão repensar a existência dos chamados Bobos da Corte, desde o aparecimento de tal classe. Pesquisem, meus Amigos, os primórdios da civilização ocidental e os primórdios do Brasil e, só assim, compreenderão o descrédito que atingiu esta classe de sofressores, uma categoria marginalizada que sempre se preocupou em transmitir preciosos conhecimentos adquiridos em longos anos de muita reflexão e leituras diárias.

Enfim, são estas as notícias de meu tempo vital, neste 14 de Outubro de 2001. Espero que aí, no Futuro-Sem-Muro do Brasil Varonil, a vida de Vocês seja mais tranquila (que a terrível dívida ao FMI já esteja liquidada!, se Deus assim o quiser!), com mais dinheiro no próprio bolso (e mais dinheiro no Banco) e fartura de alimentos, sem guerras, sem doenças, et cœtera. Que Deus Nosso Senhor os proteja sempre e os faça felizes. Também, espero que não existam mísseis estrangeiros mortíferos arrasando o Mundo e, de jeito nenhum, bombas atômicas. Espero que as hecatombes desapareçam da face da Terra.

Deste anno de 2001 (já quase no final, graças a Deus!, e eu, aqui, neste passado de vocês, esperando um anno de 2002 repleto de autênticas alegrias), recebam o meu abraço afetuoso, Meus Queridos Homens e Mulheres do Futuro!, e recebam também o meu profundo Amor. O meu Amor chegará até Vocês, acreditem! (ultrapassando as barreiras do tempo!).

ODISSÉIA MARIA, filha de Antônio Aquileu e Jane Briseides, descendentes de imortais e másculos Caçadores de Onças Pintadas e Jaguatiricas Noturnas de Minas Gerais, um mágico território situado na parte Leste do Brasil Varonil.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CECÍLIA MEIRELES E SEU "ROMANCEIRO" PÓS-MODERNO: ROMANCE XLVIII OU DO JOGO DAS CARTAS


CECÍLIA MEIRELES E SEU “ROMANCEIRO” PÓS-MODERNO: ROMANCE XLVIII OU DO JOGO DAS CARTAS

NEUZA MACHADO

Nesse momento, em que as forças tradicionais ainda pensam que “dão as cartas”, e me percebendo movida pelas imagens dos versos alados do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, quero revelar aos meus leitores o meu estado de profunda náusea e indisposição para com o comportamento daqueles que se apegam às riquezas materiais e acreditam que felicidade é tal qual mercadoria, que se vende e se compra.

É bem verdade que os versos do entrecho poético do Romanceiro de Cecília Meireles, escolhidos para a postagem de hoje, referem-se ao momento histórico da Inconfidência Mineira (final do século XVIII), mas, refletidos pelas lentes desses meus óculos tão cansados, vocês, meu Leitores queridos, sentirão como se somente oito dias, e não oitenta mil dias, tivessem se passado.

Este poema é para a reflexão dos corajosos Internautas de meu blog, aqueles que ainda não se deixaram dominar pelas cartas marcadas do jogo da vida.


ROMANCE XLVIII OU DO JOGO DE CARTAS

Cecília Meireles

Grandes jogos são jogados
entre a terra e o firmamento:
longas partidas sombrias,
por anos, meses e dias,
independentes do tempo...

Soldados e marinheiros,
camponeses e fidalgos,
ministros, gente da Igreja,
não há mais ninguém que esteja
fora dos vastos baralhos.

Batem as cartas na mesa,
na curva mesa da terra.
Partida sobre partida,
perde-se renome ou vida:
mas a perdição é certa.

Lá vêm corações em sangue,
lá vem tenebrosos chuços:
defrontam-se outros e espadas,
saltam coroas quebradas,
morrem culpados e justos.

Batem as cartas na mesa...
Cruzam-se os naipes e pontos:
não se avista quem baralha
esta confusa batalha
de enigmas, quedas e assombros.

Grandes jogos são jogados.
E os silenciosos parceiros
não sabem, a cada lance,
que o jogo, fora de alcance,
pertence a dedos alheios.

Mesas de Queluz cobertas
de ouros, paus, espadas, copas...
(Minas, sangue, sofrimento...)
No baralho bate o vento
e o jogo segue outras voltas.

MEIRELES, Cecília. O Romanceiro da Inconfidência. 13. ed., rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989: 171 - 172.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

CECÍLIA MEIRELES E SEU "ROMANCEIRO" PÓS-MODERNO: ROMANCE IX OU DO VIRA-E-SAI [INVOCAÇÃO A SANTA IFIGÊNIA]


CECÍLIA MEIRELES E SEU “ROMANCEIRO” PÓS-MODERNO: ROMANCE IX OU DO VIRA-E-SAI [INVOCAÇÃO A SANTA IFIGÊNIA]

NEUZA MACHADO

O poema narrativo de Cecília Meireles, independente de sua classificação genérica, relacionada com o Gênero Épico (uma vez que apresenta os fenômenos estilísticos vinculados a uma epopéia em versos), inclui uma camada literária subjetiva singularmente plurissignificativa (própria do Gênero Lírico). Por intermédio desta segunda camada, os meus leitores-internautas terão a oportunidade de repensar reflexivamente - conscientemente e espiritualmente - os atuais problemas sócio-culturais que afetam os ambientes humanos menos desenvolvidos.

Por tal razão, hoje, neste meu blog, o canto escolhido (Canto de Súplica à Proteção de Santa Ifigênia) é o que tem a ver com o contexto geo-político de todos os povos monetariamete desprestigiados pela sorte benfazeja em confronto com as engrenagens do Sistema Sócio-Ecônomico Mundial.

O texto de Cecília Meireles, escrito em meados do século XX, se refere aos negros escravos do Brasil-Colônia submetidos aos desmandos de poderosos donos de terras da rica região do Estado de Minas Gerais, dos anos finais do século XVIII. Entretanto, devido ao seu alto grau de plurissignicação, o mesmo oferece reflexões pertinentes aos atuais problemas que afetam o mundo como um todo. Estou convencida de que os meus leitores-eleitos saberão interagir com as cecilianas mensagens sublineares do Canto IX do Romanceiro da Inconfidência.


ROMANCE IX OU DE VIRA-E-SAI

Cecília Meireles

Santa Ifigênia, princesa Núbia,
desce as encostas, vem trabalhar,
por entre as pedras, por entre as águas,
com seu poder sobrenatural.

Santa Ifigênia levanta o facho,
procura a mina do Chico-Rei:
negros tão dentro da serra negra
que a santa negra quase os não vê.

Ai destes homens, princesa núbia,
rompendo as brenhas, pensando em vós!
Que as vossas jóias, que as vossas flores
aqui se ganham com ferro e suor!

Santa Ifigênia, princesa núbia,
pisa na mina do Chico-Rei.
Folhagens de ouro, raízes de ouro
nos seus vestidos se vêm prender.

Santa Ifigênia fica invisível,
entre os escravos, de sol a sol.
Ouvem-se os negros cantar felizes.
Toda a montanha faz-se ouro em pó.

Ninguém descobre a princesa núbia,
Na vasta mina do Chico-Rei.
Depois que passam o sol e a lua,
Santa Ifigênia passa também.

Santa Ifigênia, princesa núbia,
sobe a ladeira quase a dançar.
O ouro sacode dos pés, do manto,
chama seus anjos, e vira-e-sai.

(MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. 13. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989: 64 - 65)


segunda-feira, 3 de outubro de 2011

CECÍLIA MEIRELES E SEU "ROMANCEIRO" PÓS-MODERNO: ROMANCE XXII OU DO ANIMOSO ALFERES


CECÍLIA MEIRELES E SEU “ROMANCEIRO” PÓS-MODERNO: ROMANCE XXVII OU DO ANIMOSO ALFERES

NEUZA MACHADO

Graças ao fenômeno estilístico denominado autonomia das partes, o poema épo-lírico de Cecília Meireles poderá ser lido sem seguir uma ordem pré-estabelecida.

Hoje, neste meu blog, valendo-me da criatividade poética de Cecília Meireles, o canto escolhido para ser apresentado aos leitores-internautas (que sempre me honram com suas visitas) se coloca como uma homenagem aos muitos corajosos brasileiros que, assim como Tiradentes (no final do século XVIII), se empenharam patrioticamente – por vezes arriscando a própria vida – pelo bem-estar sócio-econômico da maior parte necessitada de nosso povo (aquela maior parte em situação de extrema miséria).



ROMANCE XXVII OU DO ANIMOSO ALFERES

Cecília Meireles

Pelo monte claro,
Pela selva agreste
que março, de roxo,
místico enfloresce,
cavalga, cavalga
o animoso Alferes.

Não há planta obscura
que por ali medre
de que desconheça
virtude que encerre,
– ele, o curandeiro
de chagas e febres,
o hábil Tiradentes,
o animoso Alferes.

Por aqui, descansa;
ali se despede,
que por toda parte
o povo o conhece.
Adeuses e adeuses,
sinceros e alegres;
a amigos, mulatas,
cativos e chefes,
coronéis, doutores,
padres e almocreves...
Adeuses e adeuses,
– que rápido segue,
a mover os rios,
a botar moinhos
e barcos a frete,
lá longe, lá longe,
o animoso Alferes.
A bússola mira.
Toma para o leste.
Dez dias de marcha
até que atravesse
campinas e montes
que com os olhos mede:
tão verdes... tão longos...

(E ninguém percebe
como é necessário
que a terra tão fértil,
tão bela e tão rica
por si se governe!)

Águas de ouro puro
seu cavalo bebe.
Entre sede e espuma,
os diamantes fervem...

(A terra tão rica
e – ó almas inertes! –
o povo tão pobre...
Ninguém que proteste!
Se fossem, como ele,
a alto sonho entregue!)

Suspiram as aves,
a tarde escurece.
(Voltará fidalgo,
livre de reveses,
com tantos cruzados...)
Discute. Reflete.
Brinda aos novos tempos!

Soldados, mulheres,
Estalajadeiros,
– a todos diverte.
(Por todos trabalha,
a todos promete
sossego e ventura
o animoso Alferes.)

Deus, no céu, revolto,
seu destino escreve.
Embaixo, na terra,
ninguém o protege:
é o talpídeo, o louco,
– o animoso Alferes.

Mas, dourado e roxo,
o campo alvorece.
Desmancham-se as brumas
nos prados celestes.
Acordam as aves
e as pedras repetem
músicas, rumores,
do dia que cresce.
Move-se a tropilha:
que outra vez se apreste
o macho rosilho
do animoso Alferes.

Adeuses e adeuses...
Talvez não regresse.
(Mas que voz estranha
para frente o impele?)
Cavalga nas nuvens.
Por outros padece.
Agarra-se ao vento...
Nos ares se perde...
(E um negro demônio
seus passos conhece:
fareja-lhe o sonho
e em sombra persegue
o audaz, valente,
o animoso Alferes.)

Que importa que o sigam
e que esteja inerme,
vigiado e vencido
por vulto solerte?
Que importa se o prendem?
A teia que tece
talvez em cem anos
não se desenrede!
Toledo? Gonzaga?
Alceus e Glaucestes?
– Nenhum companheiro
seu lábio revele.
Que a língua se cale.
Que os olhos se fechem.
(Lá vai para frente
o que se oferece
para o sacrifício,
na causa que serve.
Lá vai para sempre
O animoso Alferes!)

Adeus aos caminhos!
– montes, águas, sebes,
ouro, nuvens, ranchos,
cavalos, casebres... –
Olham-no de longe
os homens humildes.
E nos ares ergue
a mão sem retorno
que um dia os liberte.
(Pois que importa a vida?
Aqui se despede
do sol da montanha,
do aroma silvestre:

– venham já soldados
que a prender se apressem;
venham já meirinhos
que os bens lhe sequestrem;
venham, venham, venham...
– que sua alma excede
escrivães, carrascos,
juízes, chanceleres,
frades, brigadeiros,
maldições e preces!

Venham, venham, matem:
ganhará quem perde.
Venham, que é o destino
do animoso Alferes.)

De olhos espantados,
do rosilho desce.
Terra de lagoas
onde a água apodrece.
Janelas, esquinas,
escadas... – parece
que há sombras que o espreitam,
que há sombras que o seguem...

Falas sem sentido
acaso repete,
– pois sente, pois sabe
que já se acha entregue.

Perguntas, masmorras,
sentença... Recebe
tudo além do mundo...

E em sonho agradece,
o audaz, o valente,
o animoso Alferes.

(MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. 13. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989: 114 - 119.

sábado, 1 de outubro de 2011

CECÍLIA MEIRELES E SEU "ROMANCEIRO" PÓS-MODERNO: ROMANCE XXI OU DAS IDEIAS


CECÍLIA MEIRELES E SEU “ROMANCEIRO” PÓS-MODERNO: ROMANCE XXI OU DAS IDEIAS

NEUZA MACHADO

Quando a página lida é demasiadamente bela, a modéstia recalca esse desejo. Mas ele renasce. Seja como for, todo leitor que relê uma obra que ama, sabe que as páginas amadas lhe dizem respeito”.

(BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. Trad. de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2005:10)

É exatamente isto que desejo expressar aos meus leitores blogueiros: “todo leitor que relê uma obra que ama, sabe que as páginas amadas lhe dizem respeito”. As páginas do Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles muito de perto me “dizem respeito”.

Graças ao fenômeno estilístico denominado autonomia das partes, o poema épo-lírico de Cecília Meireles poderá ser lido sem seguir uma ordem pré-estabelecida. Por tal razão, hoje, neste meu blog, o canto escolhido é o que tem a ver com o contexto atual do Brasil.

Se no momento da Inconfidência Mineira predominavam as ideias libertárias dos colonos lusos, que ainda nem possuíam a noção intrínseca de ligação com um espaço físico distante da Metrópole, agora, após um favorável desenvolvimento sócio-político, iniciado por um autêntico líder do povo brasileiro (oriundo de uma camada social que, infelizmente, até há bem pouco tempo foi terrivelmente desprestigiada), iniciamos a retomada dessas ideias neo-árcades-iluministas necessárias ao fortalecimento de nossa visão do que é ser parte de um povo. Visão essa que já se delineia positivamente, sem ganâncias de poder exclusivista, nos levando a acreditar que “poderemos mais” em termos de conquistas sociais e estéticas. Se mantivermos esse nosso progressista rumo atual ao longo do Terceiro Milênio, o conceito de nação para o povo brasileiro irá se ampliar de tal forma que, no futuro, romperá as próprias fronteiras, pacificamente, possibilitando a união global e a certeza de que não existirão nações que se oponham entre si e sim uma única Nação, Nação de puro bem-estar formada por todos os povos que comungam ideais de liberdade (ideais esses que foram difundidos aqui no Brasil a partir do final do século XVIII pelos inconfidentes portugueses de nossa histórica Colônia).

Como não há possibilidade de transcrever aqui o poema inteiro (mais de duzentas páginas), ofereço hoje aos meus leitores o “incomodante” e reflexivo Vigésimo Primeiro Canto do ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA, denominado “ROMANCE XXI OU DAS IDEIAS”, de nossa poetisa maior Cecília Meireles:


ROMANCE XXI OU DAS IDEIAS

Cecília Meireles

A vastidão desses campos.
A alta muralha das serras.
As lavras inchadas de ouro.
Os diamantes entre as pedras.
Negros, índios e mulatos.
Almocafres e gamelas.
Os rios todos virados.
Toda virada a terra.
Capitães, governadores,
padres, intendentes, poetas.
Carros, liteiras douradas,
cavalos de crina aberta.
A água a transbordar das fontes.
Altares cheios de velas.
Cavalhadas. Luminárias.
Sinos. Procissão. Promessas.
Anjos e santos nascendo
em mãos de gangrena lepra.
Finas músicas broslando
as alfaias das capelas.
Todos os sonhos barrocos
deslizando pelas pedras.
Pátios de seixos. Escadas.
Boticas. Pontes. Conversas.
Gente que chega e que passa.
E as ideias.

Amplas casas. Longos muros.
Vida de sombras inquietas.
Pelos cantos das alcovas,
histerias de donzelas.
lamparinas, oratórios,
Bálsamos, pílulas, rezas.
Orgulhosos sobrenomes.
Intrincada parentela.
No batuque das mulatas,
a prosápia degenera:
pelas portas dos fidalgos,
na lã das noites secretas,
meninos recém-nascidos
como mendigos esperam.
Bastardias. Desavenças.
Emboscadas pela treva.
Sesmarias. Salteadores.
Emaranhadas invejas.
O clero. A nobreza. O povo.
E as ideias.

E as mobílias de cabiúna.
E as cortinas amarelas.
D. José. Dona Maria.
Fogos. Mascaradas. Festas.
Nascimentos. Batizados.
Palavras que se interpretam
nos discursos, nas saúdes...
Visitas. Sermões de exéquias.
Os estudantes que partem.
Os doutores que regressam.
(Em redor das grandes luzes,
há sempre sombras perversas.
Sinistros corvos espreitam
Pelas douradas janelas.)
E há mocidade! E há prestígio.
E as ideias.

As esposas preguiçosas
na rede embalando as sestas.
Negras de peitos robustos
que os claros meninos cevam.
Arapongas, papagaios,
passarinhos da floresta.
Essa lassidão do tempo
entre embaúbas, quaresmas,
cana, milho, bananeiras
e a brisa que o riacho encrespa.
Os rumores familiares
que a lenta vida atravessam:
elefantíases; partos;
sarna; torceduras; quedas;
sezões; picadas de cobras;
sarampos e erisipelas...
Candombeiros. Feiticeiros.
Unguentos. Emplastos. Ervas.
Senzalas. Tronco. Chibata.
Congos. Angolas. Benguelas.
O imenso tumulto humano!
E as ideias.

Banquetes. Gamão. Notícias.
Livros. Gazetas. Querelas.
Alvarás. Decretos. Cartas.
A Europa a ferver em guerras.
Portugal todo de luto:
triste Rainha o governa!
Ouro! Ouro! Pedem mais ouro!
E sugestões indiscretas:
Tão longe o trono se encontra!
Quem no Brasil o tivera!
Ah, se D. José II
põe a coroa na testa!
Uns poucos de americanos,
por umas praias desertas,
já libertaram seu povo
da prepotente Inglaterra!
Washington, Jefferson, Franklin
(Palpita a noite repleta
de fantasmas, de presságios...)
E as ideias.

Doces invenções da Arcádia!
Delicada primavera:
pastoras, sonetos, liras,
– entre as ameaças austeras
de mais impostos e taxas
que uns protelam e outros negam.
Casamentos impossíveis.
Calúnias. Sátiras. Essa
paixão da mediocridade
que na sombra se exaspera.
E os versos de asas douradas,
que amor trazem e amor levam.
Anarda. Nise. Marília...
As verdades e as quimeras.
Outras leis, outras pessoas.
Novo mundo que começa.
Nova raça. Outro destino.
Plano de melhores eras.
E os inimigos atentos,
que, de olhos sinistros, velam.
E os aleives. E as denúncias.
E as ideias.

(MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. 13. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989: 97 - 100)