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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

RIO DE JANEIRO, 25 DE NOVEMBRO DE 2001: EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO

NEUZA MACHADO


EPÍSTOLA AOS HOMENS E MULHERES DO FUTURO

NEUZA MACHADO



RIO DE JANEIRO, 25 DE NOVEMBRO DE 2001



Meus Amigos e Amigas do Futuro! Hoje mudarei o rumo do meu missivo. Quero enviar-lhes outros assuntos. Não lhes escreverei sobre Guerras e muito menos tristezas. O motivo desta decisão se encontra em meu Mapa Astrológico de Nascimento. Descobri que o Mistério do Futuro me fascina e possuo, graças ao meu Sol Astral, a faculdade de conversar com vocês através de cartinhas. Descobri, também, que, até este preciso momento, ainda não lhes falei de mim. Sou apreciadora de Oragos Astrais e Culinárias Exóticas. Além disso, gosto de escrever textos reais ou insólitos e não sei lidar com imposições que limitem meus procedimentos existenciais. Por uma grande sorte do destino – os sagitarianos sempre se acham proprietários da Sorte Benfazeja, não aceitarão nunca a tal sorte malfazeja –, nasci em um lugar fora do comum e, ali, aprendi a Arte de Cozinhar. Por isto, quero que conheçam meus segredos culinários, em outras palavras, OS SEGREDOS DE CULINÁRIA DE ODISSÉIA MARIA.

Desde meu nascimento, eu, Odisséia Maria, vi-me envolvida com a arte de comer bem. Só para vocês terem uma idéia, pendurei-me aos seios de minha Mãe (a Jane Mamãe dos Martins Briseides) e mamei seu precioso leite, ininterruptamente, até aos sete anos. Ocorre que Mamãe era uma camponesa saudável, uma descendente de Valerosos e Másculos Imortais Caçadores de Onças Pintadas, de Jaguatiricas Noturnas e de Gattas do Matto, Caçadores, os meus Masculinos Ancestrais Tão Gigantes, de Mineiras Matronas Fermosas (meu Papai Antônio Aquileu também), habitantes lendários de Minas Gerais, uma região mítica, mágica, sem-igual no Mundo Global, localizada na parte Leste do Brasil Varonil. Assim, graças à genética saudável dessa descendência tão ilustre, Mamãe agüentou, com galhardia, o apetite descomunal de sua excêntrica filhinha. Quomodo vocês já notaram, nasci em um Alto de Serra Of Hinterland de Minas Gerais (aqui, em minha Pátria Natal, no Brasil Cor de Anil governado pelo FHC, neste Anno de 2001, adoramos os idiomas estrangeiros; principalmente o idioma inglês) e, quomodo serrana caipira, possuo o conhecimento dos segredos inumeráveis, mitológicos, sobre culinária, ervas, simpatias e muito mais, que estavam e estão ainda guardados a Sete Chaves pelas Matriarcas Mineiras. Obtive o direito de aprender as sigilosas receitas de minhas ancestrais cozinheiras com minha Avó Justiniaña de Ogiges, descendente da lendária Calipso, aquela que muito amou o navegador grego Ulisses, o Eversor de Cidades, também parente distante do Centauro Quirón. Foi graças a essa minha inesquecível Avó Camponesa (entretanto, mui Lady, uma senhora da roça mui fidalga), a poderosa Maga Quiromântica Justiniaña, neta de uma portuguesa de olhos glaucos, misteriosos, oriunda da indescritível Ilha de São Miguel, aquele Arcanjo Poderoso, que Jane Briseides Mamãe, filha de Emiliano de Brises, teve a feliz idéia de batizar-me, nas águas eternais do Rio Carangola, com o nome de Odisséia Maria. Depois destas explicações, necessárias, e antes de revelar-lhes os meus Segredos, gostaria de dizer-lhes que esta minha predileção por culinária (incluindo a minha vocação para literatura) já havia sido pressagiada pelos Astros que presidiram o instante, aquele espaço pequeníssimo, mas indeterminado, de tempo, de meu nascimento. Naquele momento, a Lua estava a 19o graus do meu signo de Sagitário, em minha Casa Dois do Dinheiro Vagamundo, se penso em meu ascendente a 21o do signo de Escorpião. Ocorre que o meu Sol de Nascimento estava a 3o do Centauro, na Casa Um, compartilhando com Escorpião o privilégio de também direcionar a minha vida interior práláde agitada. Por esta razão, o meu signo de nascimento sempre se imiscuiu na Casa Um do Ascendente e, também, na Casa Dois do Dinheiro Volátil, a bagunçar para sempre as misteriosas exigências de vida de meu misterioso Ascendente Escorpionino. Também por esta razão, a minha paixão por horizontes dilatados, sem preocupações existenciais, quomodo as preferências das Sagitarianas Sortudas, encontrou, por parte do Ascendente, a intimação, em função de direito suposto, de impulsionar, para minha vida, uma série de transformações radicais. Ah!, meus Amigos e Amigas do Futuro Sem-Muro!, durante esses muitos annos de vida, completados hoje, às 4h20min/horário Verdadeiro no Brasil Varonil (5h20min/horário de Verão), nesse Domingo práláde radioso, foram inúmeras as minhas transfigurações. Saibam Vocês qu’eu nasci em uma Segunda-Feira Misteriosa, dia de Lua Nova, em meados do Século XX, e, desde esse dia, tive a sensação de que o mundo seria, exclusivamente para mim (vejam Vocês!, eu, Odisséia, sou uma Serrana Caipira Ficcionalmente Egocêntrica), uma Grande Aventura. Jane Mamãe, em nossas discussões homéricas, vyásicas e dantescas, nas quais não faltaram as famosas chineladas, acusava-me de ser portadora da chamada Mania de Grandeza (a Mania de Grandeza Sagitariana, tão propalada pelos Astrólogos do Brasil Varonil). Pensando bem, Jane Mamãe e os Astrólogos tinham razão! Não foi sem motivo que Júpiter, patrono de meu nascimento, soprou nos ouvidos dela (de Jane Mamãe, naturalmente) o nome que faria de minha humilde pessoa uma Incansável Viajante Transtemporal.

Mas, voltando ao assunto principal – quomodo aprendi a Famosa Culinária de Meu Estado Federativo Natal –, o fato de ter nascido em uma Segunda-feira, dia consagrado ao culto da Lua, também o fato de estar a Lua – por supuesto, muito de bem com o Sol – localizada em Sagitário, um signo famoso por possuir nativos adeptos da boa mesa e, principalmente, pelo fato de Jane Mamãe, uma dominadora ariana de 01 de abril de 1917, casada com um aquariano (acho que Papai era do signo de Peixes, 18 de fevereiro de 1910/noite), não ter sido uma boa cozinheira – Mamãe, coitadinha, não sabia cozinhar –, repetindo, penso que tudo isso me converteu em uma apreciadora da Arte de Cozinhar. Valorizo, também, para explicar esta minha qualidade excepcional – este meu Talento Extraordinário –, o fato de possuir cinco planetas domiciliados nos signos de fogo: o Sol, a Lua e Marte em Sagitário, Plutão e Saturno em Leão, acrescentando o Meio do Céu em Leão (pelo Ascendente Escorpionino), a Cauda do Dragão de São Jorge Guerreiro em Sagitário, e a Lílith, a outra Lua Misteriosa, também em Sagitário. Convenhamos, meus Amigos do Futuro!, o Mítico Fogo teria de fazer parte de minha vida. Por todos essas causas, tornei-me uma fogosa cozinheira de deliciosas iguarias e uma avultada degustadora de comidas apetitosas.

Além da culinária mineira, aprecio qualquer outra culinária que satisfaça o meu paladar exagerado. Já aprendi, por exemplo, a cozinhar de acordo com os preceitos chineses, japoneses, indianos, et cœtera – sou fanática por comida oriental –; aprendi também a cozinhar de acordo com os costumes dos Caboclos de Manaus, quomodo, por exemplo, um Peixe ao Iskabaj à Moda Cabocla (escabeche: molho, conserva de temperos refogados, especialmente cebolas, aos quais se adicionam coentro, vinagre e muito azeite doce e, principalmente, muita pimenta murupi e pimenta doce, além de muito amor pela culinária manauara), iguaria deliciosa, sem-igual, realmente, um Alimento dos Deuses de Homero Beocianato.

Meus Amigos e Amigas do Futuro! Neste final de Novembro de 2001, e, por agora, terminando de digitar este meu missivo, estarei, aqui (espero que por um bom tempo!), passando-lhes os meus segredinhos da incomparável cozinha mineira e, também, de outros Estados do Brasil Varonil e do Mundo Rotundo, para que, aí, no Futuro Sem-Muro, vocês possam conhecer a Arte de Cozinhar de Meu Tempo Histórico (a mania que se instalou por acá, neste Primeiro Anno do Século XXI, um século pré-anunciador de Guerras, Crianças Desnutridas e Fome Implacável na maior parte do Planeta Terra).

Quanto às notícias dominicais, estarei de volta no Domingo que vem!

Recebam, Homens e Mulheres do Futuro, o meu afeto incondicional e um imenso, amplo e carinhoso abraço transtemporal.

ODISSÉIA MARIA, filha de Antônio Aquileu Pelides e Jane de Brises, descendentes de imortais Caçadores de Onças Pintadas e Jaguatiricas Noturnas de Minas Gerais, uma região incrivelmente mágica insólita diferente situada na parte Leste do Brasil Varonil.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

RIO DE JANEIRO, 18 DE NOVEMBRO DE 2001: EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO

NEUZA MACHADO

EPÍSTOLA AOS HOMENS E MULHERES DO FUTURO

NEUZA MACHADO


RIO DE JANEIRO, 18 DE NOVEMBRO DE 2001


Inesquecíveis Amigos e Amigas do Futuro Sem-Muro! Hoje, 18 de novembro de 2001, quase finalizando o Primeiro Anno do Terceiro Milênio, lembrei-me de informar-lhes algo muito importante. Eu e meus Contemporâneos vivemos ainda sob as ordens do Patriarcalismo Imemorial. O Mátrio Poder, por enquanto, ainda não conseguiu o almejado e total sucesso em sua luta pela igualdade entre homens e mulheres. Conto-lhes isso, porque, até o momento, sempre direcionei minhas cartinhas aos Homens do Futuro, aparentemente, excluindo as Mulheres. Quero que saibam o motivo: quando me refiro aos Homens do Futuro, estou, também, incluindo as Valerosas Mulheres do Tempo Vindouro. Ocorre que, neste meu tempo, ao nos referirmos aos seres humanos – homens e mulheres –, de qualquer Era, enlaçamo-os em uma só categoria genética. Por exemplo: os Homens do Passado eram fortes e corajosos (em outras palavras: os homens e as mulheres do passado eram fortes e corajosos). Procurarei explicar-lhes, da melhor forma possível, o motivo de minhas elucubrações sobre o assunto em questão. Dei-me conta, de repente, da possibilidade das Mulheres do Futuro se rebelarem contra mim, tachando-me de adepta inconteste do Poder Patriarcal. Desde o início da semana, venho cogitando o assunto desta minha cartinha. E se as mulheres forem as supremas e poderosas mandatárias em seu tempo futuro, meus Amigos do Futuro? Quem lerá a minha cartinha semanal, se elas se acharem desprestigiadas aqui neste missivo? Por esta razão, depois das explicações necessárias, quero que as minhas Amigas do Amanhã saibam que, daqui para frente, todas as notícias de meu Agorá serão endereçadas aos Homens e Mulheres do Futuro. Infelizmente, não sou pitonisa, não adivinho nada, e quero agradar aos gregos e às troianas que se encontram no Porvir (mesmo que esse Porvir se localize no meu próprio amanhã). Agora, depois de minhas sinceras desculpas às minhas Amigas do Futuro, passarei a narrar-lhes as principais ocorrências da semana que passou.

Meus Amigos do Futuro (Homens e Mulheres), em uma outra cartinha, falei-lhes que o meu Brasil Varonil é considerado o País do Futebol. Neste 2001, gostar de futebol faz parte de nossa realidade. Endeusar nossos jogadores, também. Com isto, esquecemos nossos hodiernos problemas sociais, nossas angústias existenciais, as inúmeras guerras que nos cercam. Imaginem Vocês!, no momento, neste 2001, fingimos que não há guerra no Brasil Varonil. Aqui, para a maior parte do povo brasilês, existe uma dolorosa guerra: há a batalha diária pela sobvivência. Há um percentual, pequeno, que vive dignamente (são os muito ricos); há um outro percentual, também pequeno, que sobrevive (são os oriundos da antiga Classe Média); e há, em grande quantidade, os sobviventes (são os que sobvivem em meio a mais horrenda miséria). Não saberei narrar-lhes como sobvivem esses meus Irmãos Brasileses, porque pertenço à classe número dois: luto, todos os dias, para sobreviver neste meu mundo de incertezas constantes. Mas, graças a Deus, ainda posso escrever cartinhas para os meus Amigos e Amigas do Futuro. A minha mente continua sã. Ainda posso comprar alimentos, roupas, calçados e, melhor ainda, não tenho dívidas. Quando não puder mais trabalhar (para sobreviver depois que a extrema velhice chegar), irei para o Asilo de Velhos. Quando esse dia chegar, conhecerei (espero que não!) a atual classe número três deste 2001. Rogo a Deus, sempre, que não me deixe conhecer a classe existencial número três. Vou batalhar muito, acreditem em mim!, para terminar os meus dias aqui na Terra com um certo conforto. Entretanto, gostamos de futebol. Só para vocês terem uma idéia, estamos eufóricos porque o Brasil Varonil se classificou para a Copa do Mundo de 2002. Vai começar tudo de novo. Vamos esquecer nossos problemas. Vamos torcer pela vitória de nossa Seleção.

Notícias do Planeta Terra no Anno da Graça de 2001-11-18: as Guerras continuam. Existe prostituição infantil em cada cantinho do Mundo. Há crianças abandonadas, em muitos países do Terceiro Mundo (principalmente no meu Brasil Varonil, por enquanto, ainda, neste 2001, um País de Terceiro Mundo), revirando latas de lixo, buscando alimento, roupas velhas, calçados velhos, no meio do lixo. Muitos Restaurantes do Mundo jogam as sobras de comida no lixo. Os ratos – propagadores de doenças – proliferam nos esgotos mal cuidados de minha Cidade Maravilhosa. As baratas também. Os cachorros das elegantes madames (neste 2001) fazem cocô nas calçadas do Rio de Janeiro, Megalópole do Brasil Varonil. Os rios do Mundo estão poluídos. O ar – purificador – está poluído. As florestas estão desaparecendo. Neste 2001, a corrupção continua. Uma doença mortal – chamada Aids – também. Os impostos sociais estão cada vez mais altos. O dólar – o dinheiro do mundo americano do norte – está altíssimo. A passagem do ônibus – transporte de pobre – aumentou no Rio de Janeiro. Os subnutridos da sobvivência irão morrer de fome: o salário mensal não dará para comprar alimentos nos Hiper Mercados. Et cetera. Et cetera. Etc. Etc. Então, meus Amigos do Futuro!, acreditem!, neste 2001, só porque somos brasileiros, continuamos vivendo quomodo Deus quer!

Domingo que vem, enviarei mais notícias. Recebam o meu fervoroso carinho transtemporal!

ODISSÉIA MARIA, conhecida também por Circe Irinéia, filha de Antônio Aquileu Pelides e Jane Briseides, neta de José Peléias per lado paterno, e de Emiliano de Brises per lado materno, descendentes de imbatíveis Caçadores de Onças Pintadas e Jaguatiricas Noturnas de Minas Gerais, uma região insólita paradisíaca sensacional localizada na parte Leste do Brasil Varonil.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

RIO DE JANEIRO, 11 DE NOVEMBRO DE 2001: EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO

NEUZA MACHADO

EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO

NEUZA MACHADO


RIO DE JANEIRO, 11 DE NOVEMBRO DE 2001


Ao iniciar esta minha cartinha, com as notícias de hoje, dia 11 de novembro de 2001, desejo que esta os encontre repletos de saúde e riquezas fabulosas. Que o Futuro-Sem-Muro aí de vocês seja um lugar de paz, tranqüilidade e harmonia, incluindo a permanente abundância de alegrias espontâneas e felicidades autênticas.

As notícias de meu tempo não são boas. A semana transcorreu quomodo o já esperado. Nós brasileses, neste mês de Novembro do anno inicial do Terceiro Milênio, não estamos guerreando, mas as Guerras insolúveis de outros povos do Mundo nos envolvem inexoravelmente. A incrível Máquina Internet nos mostra todos os acontecimentos do Globo Terrestre – todas as guerrilhas que acontecem nas diversas regiões de nosso Planeta – no mesmíssimo instante do ocorrido. Ontem mesmo caiu um helicóptero na África (pesquisem!), em uma localidade da África, e a humanidade toda recebeu a notícia uns segundinhos depois, inclusive [nós] os brasileses, habitantes de uma região paradisíaca, bela e agradável, incrustada no Espaço de Fogo do Orbe Guerreiro. É bem verdade que o nosso Paraíso não se parece nem um pouco com o Paraíso Celestial das Profecias Religiosas, aquelas inúmeras profecias que acompanharam a humanidade, desde o princípio do Mundo até este meu insólito momento. Muitas manchas negras e nuvens escuras poluem a nossa atmosfera, que deveria ser, sem nenhuma dúvida, de uma pureza celestial, já que nos consideramos os privilegiados de Deus. Saibam vocês, meus Amigos do Futuro, que a frase mais propalada aqui no meu país, neste meu tempo de incertezas, é esta: Deus é brasilês! Realmente, somos um povo feliz. Não há inflação declarada (assim afirmam os economistas); a economia se mantém estabilizada (assim afirmam nossas autoridades competentes); uma parte do povo se alimenta bem (uma pequena parte, bem entendido!) e se veste dignamente (uma mínima parte, bem entendido!); os homens são vigorosos e as mulheres belas saem nas capas das revistas culturalmente conceituadas. É bem verdade que, neste final de 2001, muitos (milhões!) passam fome nas regiões atrasadas de nosso vastíssimo território brasilês (pesquisem!), nas regiões de seca inclemente, mas, um dia, os beneficiados da sorte olharão por eles. De qualquer maneira, que seja feita a vontade de Deus! Infelizmente, neste Agorá, nesta nossa Praça, onde, segundo o deífico Poeta Chico Buarque, desde eras imemoriais passaram, passam e, por certo!, ainda passarão festivas bandas, cantando coisas de amor, neste minuto-mito de nossa realidade, não há quomodo pretender perfeição celestial em nosso Paraíso. Neste anno de 2001, no Brasil Varonil, há muitos desempregados (pesquisem!), heróicos brasileses que vivem em condições de extrema miséria. Mas, Deus é brasilês e, de vez em quando, acontece o inesperado: alguns, entre muitos, enviam cartinhas dolorosas aos animadores de programas de televisão, revelando seus infortúnios, e são sorteados, e depois vão aos programas, e ganham cestas de alimentação por um anno, casa mobiliada, automóvel, plano de saúde por um anno, assistência odontológica por um anno, vestuário completo (comprado nas mais famosas lojas dos grandes Shoppings de nossas mais importantes urbes). Acreditem! Por aqui, há umas poucas pessoas riquíssimas e, às vezes, seus corações se enchem de compaixão por uns poucos mais pobres! São milhares e milhares de pobres brasileses, no entanto, somente uns poucos são agraciados pela Sorte Benfazeja. Os que foram sorteados na Roleta da Sorte! No esperado dia de glória, para os incríveis assinalados da Boa Sorte, a comoção é geral. A Grande Sorte sempre comparece nas tevês aos domingos, buscando a aceitação dos telespectadores. Hoje, por exemplo, à tarde, com os olhos marejados, estarei assistindo, pela televisão, confortavelmente instalada em minha macia poltrona de cor dourada (apesar do minguado salário de sofressora), os programas que se esmeram em proporcionar a estes desvalidos um pouco de conforto vital, mesmo que seja instantâneo. Quero deixar claro, aos meus Amigos do Futuro, que não me coloco contra os programas televisivos que assim agem. Ao lado da disputa pela atenção do telespectador, existe uma grave revelação, em outras palavras, esses programas conseguem mostrar nitidamente (para aqueles espectadores-eleitos, aqueles que sabem avaliar criticamente as mensagens subentendidas) o ponto – que não seja irreversível – de miséria e abandono que atinge a maior parte da população brasilesa neste final do anno de 2001. Mas, não se impressionem, meus Amigos do Futuro Sem-Muro!, olhando para os lados, observando a realidade circundante, repensando o Mundo já Globalizado, aqui ainda é um lugar maravilhoso. Existe, por acá, o chamado jeitinho brasilês, e, assim, graças a esse jeitinho, vamos vivendo quomodo Deus quer.

Por ora, sem mais notícias, despeço-me com um carinhoso e caloroso aperto de mão transtemporal.

ODISSÉIA MARIA, filha genuína de Antônio Aquileu e Jane Briseis, neta, per lado paterno, dos mitológicos José de Sousa Peleu e Antoniña de Tetis, e, per lado materno, dos inigualáveis Emiliano de Brises e Justiniana de Ogíges, descendentes — os meus dois troncos ancestrais — de imemoriais caçadores de Onças Pintadas e Jaguatiricas Noturnas de Minas Gerais, uma região mitológica localizada na parte Leste do Brasil Varonil.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

RIO DE JANEIRO, 04 DE NOVEMBRO DE 2001: EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO

NEUZA MACHADO








EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO

NEUZA MACHADO







RIO DE JANEIRO, 04 DE NOVEMBRO DE 2001


Meus amigos do Futuro, conforme o prometido, eis-me aqui novamente. No momento exato em que começo esta minha cartinha, neste 04 de Novembro de 2001, na Cidade Cariocjônia do Rio de Janeiro, o relógio digital de meu telefone celular marca vinte e uma hora e trinta minutos. Relógios digitais, telefones celulares, microondas [um forno (incrível invenção!) que cozinha os alimentos em questão de segundos], computador, et cœtera, etc, serão, no Futuro Sem-Muro, aparelhos fora de moda, porque, certamente, vocês já terão inventado objetos similares mais sofisticados, e, alguns de vocês, buscando informações desta minha realidade temporal, acharão muita graça de nossas invenções ultrapassadas.

Entretanto, neste exato momento, são vinte e duas horas e cinco minutos – horário de Verão no Brasil Varonil – e eu estou, aqui, a cogitar, selecionando os acontecimentos do dia, ansiosa por enviar-lhes notícias interessantes.

Diferente dos outros domingos, hoje, o Sol hipercariocjônio não iluminou a Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro, neste mês de novembro de 2001. Choveu o dia todo. É noite e, ainda, chove na minha Terra ainda abençoada por Deus. Espero que chova bastante perto das grandes Usinas Hidroelétricas, para que a luz volte a reinar em nosso cotidiano, o qual, no momento, se encontra sem muitas perspectivas iluminadas.

Meus amigos, como já lhes disse, em uma outra cartinha, estamos vivendo uma situação de economia de luz. Desde o mês de junho de 2001, economizamos luz elétrica, para que não ocorra o apagão, ou melhor, a falta de luz nos lares, a escuridão total. É bem verdade que a megalópole cariocjônia continua iluminada: os prédios públicos, os letreiros luminosos, as ricas mansões dos bilhardários, os belos cumes de minha Polis, repletos de luzinhas elétricas, e muitos outros locais, permanecem, continuamente, iluminados. Na verdade, apenas a classe pobre – a antiga classe média – foi obrigada a fazer economia. Existe uma quota prevista para os assinalados do Destino (e eu me encontro entre esses assinalados). A base da tal quota foi elaborada a partir do gasto de eletricidade, de cada residência, ocorrido no mês de junho de 2000. Por exemplo, se a quota foi pequena no tal mês, os assinalados do Destino só poderão gastar aquele percentual, todos os meses, até que o governo do FHC determine o fim da economia. Ocorre que os Privilegiados da Sorte – haja Sorte! – gastaram bastante, no tal mês de junho de 2000, e, já que desperdiçaram muita luz, os Tais poderão usufruir a luz elétrica sem grandes sacrifícios; bastarão desligar alguns condicionadores de ar e tudo estará resolvido. Os pobres que se arranjem e façam economia! Mas, graças a Deus!, o tempo interstício está ameno e o calor abrasador ainda não fez a sua entrada triunfal no Rio de Janeiro. Só não sei o que faremos quando o Caloroso Sol Flamejante vier nos visitar. Como agraciá-lo com a nossa amável acolhida, se não recebermos, daqui a um mês, autorização para ligar nossos humildes ventiladores?

Oh! Meus Amados do Futuro! Estou aqui a me preocupar com a possibilidade de um apagão, enquanto milhares e milhares de seres humanos, inclusive no Brasil, neste 2001 (pesquisem!), não têm o que comer. A Guerra continua no mundo. As doenças continuam. Os deserdados da sorte estão morrendo à míngua. As crianças de algumas regiões do Oriente Médio vão sendo treinadas para a Guerra e já manejam armas mortíferas. As crianças da região de conflito do Oriente Médio não receberam permissão para sonhar com o Futuro Sem-Muro radioso. Não saberão como escrever suas cartinhas para os Homens do Futuro. Não conseguirão, jamais, imaginar a possibilidade de conforto para as Crianças do Futuro. O Futuro não existe para esses infelizes pequeninos do Oriente Médio. Existe a Guerra. São crianças e não brincam como crianças; passam fome e sede (a água é escassa), não têm nenhuma esperança e não sonham com dias felizes. E eu, uma insignificante sofressora desta Era de Calamidades Sem Conta, estou aqui preocupada com pequenos probleminhas cotidianos, com a possibilidade de falta de luz intersticial.

Mas, um Herói irá se sobressair no meio de todo esse alvoroço e gritará a sua sentença de paz. Quando esse dia chegar, estarei a postos, para relatar-lhes o Acontecimento.

Aguardem novas notícias no Domingo que vem. Espero que vocês recebam aí no Futuro Sem-Muro Glorioso o meu profundo amor transecular!

ODISSÉIA MARIA, conforme a Lei, filha de Antônio Aquileu e Jane Briseides, descendentes de Indomáveis Caçadores de Onças Pintadas e Jaquatiricas Noturnas de Minas Gerais, uma região paradisíaca, ímpar, maravilhosa, situada na parte Leste do Brasil Varonil.